Uma estação está acabando, e uma das coisas que gosto de fazer (pra variar, inspirado pelo Austin Kleon) é rever os livros que li nessa estação, para ver se há algum tema.
Apesar de que o ano passado foi supostamente o Ano de Ler e Escrever, a leitura de livros acabou ficando para trás, frente a estudos e escritas de notas. O verão que agora acaba marca uma volta muito profunda aos livros, como forma de entretenimento e como fonte das maiores ideias para seu trabalho, como PH Santos muito bem ilustra nesse excelente vídeo:
Excelente vídeo sobre usar livros para produzir outras coisas
Se o Ano atual é de Simplificar, o Verão foi a Estação de Simplificar as Finanças, e para isso I Will Teach You to be Rich, de Ramit Sethi, foi fundamental. Eu tenho grandes problemas com a criação de jargão artificial nessa obra, como um “Plano de Gastos Conscientes” e o “Método dos Envelopes”, que são apenas técnicas de orçamento (apesar de o autor jurar que você não precisa organizar o seu orçamento). Mas a sua abordagem prática em acumular pontos em cartão de crédito e em como organizar categorias de gastos de uma maneira realista tiveram grande impacto em mim. Esse livro me mostrou que, se eu otimizar os gastos fixos, cuidando da minha família, ao mesmo tempo em que tento investir um mínimo viável e de maneira inteligente, eu posso sim gastar com livros, se isso é realmente importante para mim.
Um livro que comprei desde que adquiri essa mentalidade e que já é um dos meus livros favoritos de toda a vida é Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível, o livro de memórias do Chandler de Friends. A sua maneira livre, honesta e profunda de escrever sobre problemas foi muito importante em algumas semanas particularmente depressivas. Os problemas existem; se você escreve sobre eles, eles não diminuem, mas também não aumentam.
Como inspiração para o trabalho, o duo de livros de Nathan Yau, Visualize This e Data Points (embora esse último seja bem raso e um pouco inútil para quem já sabe um pouco sobre visualização de dados), me ajudou a pensar mais como cientista de dados ao analisar resultados de simulações no meu emprego. Mesmo que eu não tenha aprendido nada de muito nova, ajudou-me a reforçar algumas ideias de organização de dados (lembrando que é sua tarefa fazer isso).
Quais são os três objetos sem os quais eu não poderia viver?
Sem pensar muito profundamente, olhei para a minha mesa e vi esse arranjo:
e pensei: aí estão 3 objetos singelos que estão sempre comigo e que são realmente fundamentais:
Caderno: já falei aqui sobre a minha prática de manter um caderno. Quando estou me sentindo mal, é ali que desabafo. Em um dia de trabalho, uso para anotar minhas tarefas. Quando estudo, tomo notas – e para isso preciso de :
Caneta: eu tomo notas de tudo. Mesmo em casa, com meu filho mais velho, brinco de desenhar os personagens preferidos dele (geralmente da Patrula Canina). Com a minha esposa, anotamos os gastos da nossa próxima viagem. Eu já fui o tipo de pessoa que sonhava em “viver sem papel”, mas agora eu não consigo viver sem a sensação de escrever com caneta em um pedaço de papel. Também já foi do tipo que comprava canetas caras, mas agora eu tenho mais o que fazer. E quanto escrevo, é bom tomar água ou café em uma…
Caneca: mas poderia ser uma garrafa. Ter água ou café sempre à mão é o que me permite e concentrar no meu trabalho, e o que dá combustível e refrescância para passar com a família nesses dias quentes.
Aí estão: três objetos simples, que representam instantes agradáveis em casa e no trabalho. A vida é melhor com uma boa bebida enquanto registro meus pensamentos.
Um amigo meu disse uma pérola há alguns dias: “você sabe que está conversando com um millenial quando o tópico da conversa é o endereço do seu terapeuta”.
Saúde mental é importante. Os comentários mais frequentes neste blog são de pessoas que estão desmotivadas com a graduação ou pós-graduação, e não é à toa: a vida acadêmica é difícil.
Aqui vai uma dica: abrace o seu guilty pleasure: aquilo que você não deveria gostar, mas gosta.
Austin Kleon fala que não existem guilty pleasures, mas o seu foco é nisso como fonte de criatividade. Minha dica para essa retomada de trabalho pós-carnaval é: coloque esses “prazeres proibidos” na sua rotina como forma de desestressar – e pare de se sentir culpado.
O meu guilty pleasure? Hoje, enquanto minha esposa estava na rua com a crianças, cozinhei as refeições deste resto de semana assistindo Chicago Fire.
Como muitas de minhas leituras, começou como um livro disponível para alugar gratuitamente via Prime Reading, atraindo-me pelo título curioso. A premissa era interessante, uma pesquisa na Wikipedia revela que o livro era renomado e tocava no importante tema de saúde mental, e os parágrafos iniciais me mostravam um jeito de usar as palavras de uma maneira que nunca achei ser possível. Este feriadão de Proclamação da República de 2021 me deu a oportunidade de terminar, e proclamar: Flores para Algernon, de Daniel Keyes, é um dos livros mais brilhantes que já li.
Algernon é um nome de um rato de laboratório que passa por uma cirurgia para ficar mais inteligente, e o seu sucesso leva os cientistas a testarem em um ser humano com deficiência mental, Charlie Gordon, de 30 e poucos anos. A cirurgia dá muito certo, e depois dá muito errado.
O parágrafo acima pode parecer um spoiler, mas é meramente dizer o óbvio: alguma coisa em ficção científica tem de sair do controle. Mas mesmo que eu contasse tudo que acontece a leitura vale a pena: a melhor parte do livro não é a história em si, que chega a ficar chata em vários pontos, mas como ela é contada: através de “relatórios de progreso” (sic) que viram “Relatórios de Progresso” à medida que Charlie aprender a escrever. A linguagem infantil e amorosa dá lugar a uma escrita eloquente, científica e sem sentimentos.
O ponto central do livro é que Charlie não se transforma propriamente; no fundo, o Charlie doce e infantil convive com o Charlie inteligente e arrogante. Esse é o mesmo sentimento que eu tive quando enfrentei a depressão: o Fábio deprimido, com pensamentos perturbadores, não era o Fábio verdadeiro, mas uma aberração que tomou conta do seu cérebro, e depois foi embora.
É por isso que eu recomendo fortemente a leitura: para mim, esse é um livro sobre empatia; quando Charlie, ainda escrevendo errado, reclama a um dos pesquisadores que não sente que está melhorando, ele ouve a resposta e transcreve no seu relatório:
Ele disse Charlie você tem de ter confiansa em nós e em você mesmo.
Essa passagem me chamou a atenção pela ordem: você, um pobre coitado, tem de confiar primeiro em nós, e só depois no seu próprio poder.
Flores para Algernon é sobre amar as pessoas quando tudo está bem e quando tudo está um desastre, sobre aceitar os mentalmente doentes como pessoas acima de tudo.
A minha esposa espalha por aí que eu sou uma pessoa estressada (brincando apenas em parte, como infelizmente tenho de admitir), mas até ela há de concordar que esse mês de outubro têm sido transformador.
Não é difícil saber o que ajuda a conter o estresse, e eu sigo todas as receitas conhecidas: meditação, oração, terapia, prática de exercícios – e, ultimamente, uma menos conhecida: “mini-férias”. Esse conceito foi aparentemente popularizado por Tim Ferriss, em que ele propõe parar de viver um ciclo de períodos longos de trabalho com períodos médios de férias, e aumentar a frequência desse ciclo: trabalhar algumas semanas, viajar outras, voltar a trabalhar, viajar mais um pouco (esse vídeo explica bem). Variações dessa ideia: a Thais Godinho recomenda fazer do dia a dia suas férias, e a Laura Vanderkam recomenda planejar mini-aventuras fora da rotina para tornar a vida mais memorável.
Nessa primeira quinzena de outubro, eu e minha família aproveitamos essa ideia de mini-férias na praia. O prefixo é necessário: apesar de alguns dias sem aulas devido a uma semana de palestras na minha universidade, eu não estava de férias de fato. Porém, mesmo nos dias onde havia aulas e outros compromissos eu tirei o pé do acelerador.
Fazia tempo que eu não me sentia tão genuinamente feliz, relaxado.
Eis o que eu experimentei nessas semanas:
Muitas corridas na praia
Café com minha irmã
Sorvete com um grande amigo meu dos tempos de escola
Ir num Sebo (!) e comprar livros por R$ 15
Tomar açaí em um dos meus locais favoritos de Florianópolis
Aniversário do meu avô (93 anos!)
Visita ao meu compadre, onde o meu filho se diverte muito brincando com o filho dele
Seguindo outra recomendação da Laura Vanderkam, de refletir mais e usar o celular menos, eu escrevi muito no meu caderno. Tenho tentado registrar tudo: minhas impressões, minhas meditações da Bíblia, o que fiz, meus sentimentos. E minhas tarefas, o que foi essencial para realmente aproveitar esse período.
Não é fácil para uma pessoa ansiosa conseguir relaxar de fato, e eu só consegui fazer isso sabendo que tudo estava em ordem: preparei com cuidado as aulas necessárias, atendi alunos, respondi emails. Aproveitei os cafés da manhã não para re-assistir The Big Bang Theory, mas para estudar artigos para uma revisão bibliográfica que estou preparando. Após voltar de cada passeio, dediquei meia hora a revisar algum assunto para a aula do dia seguinte.
Eu sei que esse período foi finito, então tentei aproveitar ao máximo. Logo mais vou voltar à minha rotina normal – mas que já é preenchida de mini-férias, de qualquer jeito. Eu ministro 5 disciplinas de Engenharia e estou tentando voltar a fazer pesquisa, mas não abro mão de passeios matinais com meu filho e almoços em família. O LinkedIn me mostra vários colegas de faculdade com muito mais realizações profissionais que eu – mas eles não tem um bebê que grita “papai” e abre um sorriso quando os vê. E é para o meu filho que eu quero ser melhor e menos estressado.
Um aviso: esse texto contém discussões sobre doençasmentais e morte. Alguns leitores podem querer evitar lê-lo.
Há alguns dias, eu perdi um amigo querido. Em respeito à sua memória e à privacidade da família, eu não vou divulgar o seu nome nem o que aconteceu (pois eu ainda não sei os detalhes), mas vou dizer isso: os inimigos dentro da cabeça dele eram muito fortes e ele escolheu encerrar essa batalha – e a própria vida.
Foram dois anos de convivência diária, com muitas discussões sobre trabalho, futuro, livros, filmes, séries, músicas, relacionamentos. Almoçávamos juntos praticamente todo dia de trabalho. Resolvemos problemas científicos juntos. Viajamos juntos. Apoiamo-nos em concursos e entrevistas de emprego. E agora isso nunca mais vai acontecer.
O que também nunca mais vai acontecer são nossas conversas sobre saúde mental. E eu nunca mais vou poder encorajá-lo, nem pedir desculpas pelas vezes em que o critiquei demais.
Lembro de uma vez em que eu estava discutindo a Fé católica com algumas pessoas que partilham dessa mesma fé. Falávamos de como Jesus veio para os pobres e esquecidos desse mundo, e de como o que nos faz cristãos é imitar Cristo em ter uma opção preferencial pelos pobres.
Essas pessoas, da alta sociedade catarinense, usaram o pior adjetivo que eles poderiam usar (na cabeça deles): esse comportamento é muito petista, muito assistencialista em ajudar quem não necessariamente merece ser ajudado. Há pessoas – assim eles argumentaram – que, se ajudadas, nunca vão aprender a se ajudar, nunca vão conseguir sair da pobreza por conta própria. E quem disse que elas não se empobreceram pelos seus próprios erros? Elas merecem ser pobres ao mesmo em que não merecem ajuda. Isso aconteceu um pouco depois da eleição de Você Sabe Quem.
Se repeti muitas vezes o verbo merecer no parágrafo anterior, é porque ele é o termo chave. O que aprendemos nas Oficinas de Oração e Vida é que merecimento não existe. As igrejas estão cheias de gente que reza e reza e continua desgraçada na vida, ao mesmo tempo em que é fácil encontrar gente genuinamente feliz longe dali. Deus ajuda não quem merece, mas quem Ele quer. Ele tem Seus critérios que nós nunca vamos conhecer.
Se Ele, o “justo Juiz” (2 Tm 4,8), age assim, quem sou eu, um pobre pecador, para determinar quem merece ser ajudado?
O meu amigo tinha um comportamento, para usar um termo que ouvi desde o Evento, “auto-destrutivo” – o que é verdade. Porém, isso não deveria ser critério de ajuda, encorajamento ou amizade. Mais uma vez: Jesus viveu no meio de prostitutas, doentes, cobradores de impostos (os inimigos públicos da época) e só lhes deu amor.
Eu sempre soube dos seus problemas de ansiedade e depressão, e fiquei tranquilo quando soube que ele estava se tratando. Ele me confessou coisas pessoais que o atormentavam, e aos poucos eu fui relacionando esse passado com o seu comportamento. Depois que perdemos o contato diário por mudanças de emprego, mantivemos contato mas falávamos mais de família e de trabalho, e nunca consegui captar o que estava acontecendo na sua mente.
Infelizmente, eu tenho de confessar que foram várias as vezes em que eu ri de como ele era muitas vezes marginalizado por essa auto-destruição, critiquei os seus hábitos, reclamei que ele não procurava ajuda. E agora, eu nunca vou poder saber se isso contribui, se isso se acumulou na sua cabeça, até acontecer o que aconteceu.
Vamos todos combinar o seguinte: da próxima vez que você perceber um ser humano fazendo algo de que você não gosta, não critique, não julgue. Pense que ele pode ter seus motivos. Ajude. Com algumas palavras positivas, você pode, literalmente, salvar uma vida.
Sendo pai de um bebê, o meu dia começa de maneira perfeita quando eu consigo tomar café da manhã com calma, arrumar-me e planejar meu dia antes de ele acordar, para então poder me dedicar totalmente a ele. Hoje não foi um dia perfeito.
O problema de não ter esse tempo para mim é que tudo vai se deslocando muito na escala do tempo para mais tarde, comprimindo o tempo útil disponível. Eu não consigo ser multi-tarefa enquanto sou o responsável por vigiar um ser humano ativo e que ainda não tem medo de trancar o dedo nas gavetas, então só consigo começar a trabalhar quando existe outro adulto por perto que assuma a vigia.
Um corolário do meu transtorno de ansiedade é enxergar o desastre em todo. Já que o dia começou “errado”, então tudo vai dar errado, e não vou conseguir fazer nada de útil. Isso é natural de se pensar, mas não é lógico; em vez de correr para otimizar o tempo restante, eu fico paralisado por um atraso pequeno que de repente consome todo o tempo restante!
É nessas horas que o meu caderno me salva. Sempre é possível pensar: “o dia começou meio tumultuado, eu tenho algumas tarefas mundanas para resolver, como tornar hoje um dia de sucesso?”. Cada página de registro diário começa com uma lista de 3 MIT (Most Important Tasks).
Hoje eu tinha de preparar comidas, caso contrário ninguém aqui em casa teria o que comer; queria ligar para minha Vó pelo aniversário dela; e deveria trabalhar nas minhas aulas e materiais para o semestre que vai recomeçar.
Como diz a Thais Godinho, às vezes a maneira de avançar nos projetos é aproveitar as deixas das tarefas com prazo e trabalhar no mesmo contexto. Se eu tenho que “preparar comidas”, então vou entrar na mentalidade de “Abastecer geladeira e casa” (que foi exatamente o que escrevi no caderno), e aproveitar para revisar a despensa e fazer compras de mercado online. Se eu tinha que ligar para minha vó, vou limpar a minha lista de “tarefas de Comunicações” no Todoist:
(E de fato, ao final do dia eu cumpri todos esses itens).
Para finalizar o dia, estando mais tranquilo que muita coisa de relevante foi resolvida, finalizei uma lista de exercícios, e já coloquei tudo no Moodle.
Um dia que era para ser ruim se tornou cheio de coisas significativas. No meio de tudo isso dei almoço (recém-preparado) para o meu filho, corri com ele pela casa, fiz um pouco de exercício físico, orei, e ainda deu tempo de escrever esse post.
Sério, povo: manter um caderno para anotar tarefas, ter um sistema de contextos organizado, estudar métodos de produtividade – tudo isso vale a pena, eu prometo.
Há muitos meses, tenho me dedicado a estudar os Salmos mais profundamente, com o auxílio de Salmos para a Vida,de Inácio Larrañaga. Além de apontar diversos Salmos sobre diferentes temas, o autor traz ideias religiosas que provocam muita reflexão.
Há um capítulo sobre o exercício do Abandono: a oração em que nos entregamos totalmente a Deus. “Eu já fiz a minha parte; agora é Contigo”. Esse exercício revela um fato: os momentos de maior presença de Deus são os momentos de maior desespero; Deus aparece no seu máximo poder quando nós estamos no nosso mínimo poder.
Como engenheiro, não posso deixar de exprimir isso numa curva simples mas significativa:
Incontáveis vezes já passei por isso. Quando fiz as Oficinas de Oração e Vida pela primeira vez, os exercícios de Abandono foram o que me ajudaram a superar a morte da minha avó. Foi só percebendo que não havia nada que eu pudesse fazer que eu entrei na parte descendente dessa curva.
Não é escapismo, é fazer o que se pode fazer, e então parar. Um exemplo recente e pessoal: estou com um problema de cadastro das disciplinas que ministro para o semestre que vem, e pode ser que eu não pegue essa turma. Isso implica em redução de salário, o que sem dúvida é ruim. O que posso fazer? Já falei com meu Chefe, com o pessoal de suporte aos sistemas acadêmicos, já conferi o cadastro que eu mesmo fiz. Agora não tenho mais nada a fazer, a não ser esperar e ver como vai ser resolvido. Se ficar com a discipina, ótimo; se não, vou dar um jeito, sem necessidade de desespero.
Um fato: esse estado de espírito para o Abandono é vacilante, e não podemos nos angustiar com isso. Ora temos medo, ora confiamos totalmente em Deus. Aceitemos em paz.
Principalmente para os mais ansiosos como eu, é muito comum que a angústia entre numa curva ascendente. É possível antecipar o pico e começar a se sentir melhor com um exercício de oração. Se o leitor está se sentindo muito ansioso com algo, experimente esse exercício: pegue um caderno, respire fundo, faça o sinal-da-cruz, e escreva uma carta para Deus sobre tudo que está acontecendo na sua vida. Conte dos seus problemas, revise o que você já fez, e peça ajuda.
Como parte da minha assinatura Amazon Prime, tenho acesso a alguns ebooks gratuitos todo mês no regime de empréstimo: posso ter 10 títulos na minha biblioteca do Kindle, e se quiser mais tenho de devolver algum. Geralmente são livros ditos “clássicos”, e o fato de que estou lendo mais livros desse tipo meio que já justifica os R$9,90 mensais.
Um dos títulos que li recentemente foi justamente O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. Eu não sei o leitor, mas eu não era nenhum um pouco familiar com a história, e na minha cabeça o Monstro da história era algo do tipo um lobisomem, ou um The Hulk: uma criatura gigantesca, incapaz de controlar a raiva, de aparência abominável. Minha grande surpresa é que o monstro do título é um ser humano, apenas… mau.
O livro é muito curto, uma novela, e de leitura fácil. A lição principal, porém, é muito relevante.
Eu já falei aqui de saúde mental, da minha luta contra depressão e ansiedade. Eu estou mais que ciente de que essa luta é para a vida toda. Eu não me sinto mais deprimido, mas a doença só está adormecida, e desponta com sinais conhecidos: pessimismo, senso de tragédia, mau humor. Felizmente, anda controlada. Eu aceito e acolho meu lado deprimido, meu lado que tem pensamentos violentos, o meu lado que diz para não aceitar uma vida que não seja perfeita.
Porque se eu não aceitar o meu lado mau, ele aflora, exatamente como no livro. O médico da história tenta separar as suas personalidades boa e ruim, com resultados catastróficos — o lado mau sempre vai vencer pela trapaça e pela violência. Dr. Jekyll não era Edward Hyde, mas o continha.
O Setembro Amarelo está acabando, mas não existe tempo certo para falar de sanidade mental. Se você tem pensamentos sombrios, são só isso, pensamentos, e não quer dizer que você é sombrio. Se você não consegue ver a diferença, procure ajuda: familiar, terapêutica, médica, espiritual. É literalmente um caso de vida ou morte.
Ficar isolado em casa não é fácil. Aliás, deixe-me reformular. Eu sou incrivelmente privilegiado por estar com minha família, protegido, conseguindo trabalhar e ganhar meu salário. Além do mais, eu adoro trabalhar em casa. De fato, passei grande parte de meu doutorado brigando por esse direito. As ideias de Cal Newport deixaram marcas em mim: eu trabalho melhor completamente isolado e concentrado numa tarefa. Odeio reuniões. Valorizo mais conversas por email, onde tenho tempo de pensar no assunto, do que encontros de corredor. Estar trabalhando em casa nessa quarentena, sempre em contato com minha esposa e meu filho, não é um problema.
Mas esse senso de incerteza, de que algo está errado, da insegurança de como vai ser quando acabar, de se vou pegar a doença quando vou ao supermercado, se alguém da minha família vai ficar doente — isso não é fácil, especialmente para aqueles que, como eu, sofrem com ansiedade e têm experiência com depressão. Como falei, a calma de ficar em casa é boa, mas não há variedade, corridas na rua, passeios com meu filho, restaurantes com minha esposa. E, claro: sinto falta de estar numa sala de aula, com os alunos tirando dúvidas, escrevendo em giz.
Estamos nos aproximando de completar um mês dessa situação, e em muitos lugares isto está longe de acabar. Aqui está o me ajuda a tornar esse momento mais leve, e espero que ajude outras pessoas. Essa dicotomia entre gostar de ficar em casa mas saber que as coisas não estão bem (e o que fazer em relação a isso) foi bem tratada em um Nerdcast recente.
Meditação
Se pudesse elencar um ato que tem me ajudado, é a meditação, o que tenho feito com o Headspace. Desde o nascimento do meu filho João, eu andava meio relapso nessa prática, dedicando-me apenas em alguns dias esporádicos. Nessa quarentena, porém, eu não falhei nenhum dia.
Meditar não é um ato religioso; é apenas parar e respirar. Embora digam que a meditação verdadeira deva ser completamente silenciosa, eu gosto de ter o guia do Headspace me sugerindo diferentes pontos no que me focar; gosto de explorar os diferentes temas; e a voz do Andy simplesmente me relaxa. O Headspace é um serviço pago, e eu trato como um gasto de saúde mental; mas se você está interessado, eles liberaram muitas sessões de graça. Baixe o app e se permite experimentar.
Oração
Eu acabei de falar que não trato a meditação como uma forma de orar, porque isso para mim é uma atividade em separado. Eu medito ao longo do dia, geralmente quando quero me acalmar, e durante apenas 10 minutos. Na oração, as Oficinas de Oração e Vida me ensinaram a praticar a Sagrada Meia Hora, 30 minutos dedicados à leitura da Bíblia e ao diálogo com Deus.
Pronto para orar bem aconhegado
Eu confesso que, desde o nascimento do João, em muitos dias não consigo achar 30 minutos de calma pois, quando ele vai dormir, eu mal mantenho os meus olhos abertos de tanto cansaço. Mesmo assim, sempre fiz um esforço de todo dia pelo menos fechar os olhos e fazer uma oração silenciosa, geralmente agradecendo a Deus. Nessa quarentena, consegui voltar a dedicar mais tempo, com uma rotina mais estável, e posso me sentar no sofá e me abrir. Como bem identificado por Frei Ignácio Larrañaga em Salmos para a Vida, eu alterno entre diferentes modos de orar: às vezes me comunico diretamente com Jesus, tentando seguir Seu exemplo humano; às vezes me dirijo ao Pai, pedindo ajuda e me aninhando eu Seus braços; e muitas vezes apenas contemplo a Sua Figura, sem falar nada.
O app Liturgia Diária da Canção Nova tem sido de grande ajuda nesse período. O app me mostra a Liturgia do dia e ainda traz uma homilia e um texto sobre o santo do dia. Muitas vezes eu apenas consulto as leituras no app mas leio de fato na minha Bíblia, mas ocasionalmente, quando estou cansado demais num dia corrido, eu leio no próprio app e medito um pouco.
Há um efeito colateral de medir a passagem do tempo, que anda bastante bagunçada, através do calendário litúrgico.
A meditação é o mínimo necessário para minha mente não se agitar muito. É na oração, porém, que eu realmente me consolo.
Exercícios
Já que não há mais caminhadas e passeios, meu corpo precisa liberar energia de outra forma. Tenho feito exercícios de manhã para me ajudar a acordar e me energizar um pouco.
Minha escolha de app de exercícios é o Seven, que propõe circuitos de sete minutos de exercícios sem equipamentos. Não se deixe enganar pelo tempo, pois o ritmo é intenso. Eu sempre faço dois circuitos, o que me dá 15 minutos de suor para começar o dia.
Eu tenho seguido um treino do Seven personalizado, que alterna as partes do corpo a focar em três sessões por semana. Nos outros dias, às vezes uso o “Move Mode” do Headspace, que tem exercícios estilo Yoga para alongar e relaxar (embora tenha treinos aeróbicos também), e muitas vezes faço treinos de abdominais e flexões apenas para fazer alguma coisa.
Meu filho adora ver o papai pulando na cozinha
Outra forma de variedade nos exercícios é ter alguns dias para simplesmente fazer abdominais e flexões, e uso dois apps da Adidas que não estão mais disponíveis na App Store.
Apps da Adidas para treinar apenas flexões e abdominais, que não estão mais à venda na App Store
Quanto ao espaço para praticar tudo isso, eu simplesmente coloco um tapete de ioga e um rolo na minha cozinha, quando ninguém está mais aqui. Não é o ideal nem a minha forma preferida de praticar exercícios, mas esse não é o tempo para se preocupar com perfeição.
Falta de espaço para me exercitar não pode ser desculpa
Leitura
Eu tenho lido muito nessa querentena e, depois de muito tempo pregar a superioridade de livros em papel, a paternidade me ensinou a ser mais pragmático e ler livros no Kindle, muitas vezes no celular ou no meu Kindle Paperwhite, em pequenos intervalos ao longo do tempo. Acho que não sou o único a ver meus hábitos mudarem.
Eu estou numa febre de livros de fantasia e históricos — e acho que isso tem a ver com fugir do tempo presente. A leitura é o meu momento de relaxar, e parei de me exigir tanto.
Foco
Nos momentos em que quero trabalhar de fato e desenvolver minhas aulas, uso o app Forest, que me força gentilmente a focar em uma tarefa e não tocar no meu telefone. Sendo sincero, para mim funciona como uma maneira lúdica de alternar entre momentos profissionais e pessoais (quando vou ficar um pouco com meu filho, arrumar algo da casa etc).
No Forest, você configura um tempo e escolhe uma árvore para plantar; se sair do app antes do tempo configurado, a árvore morre. Nada revolucionário, apenas uma maneira agradável de delimitar momentos de trabalho profundo.
Fazer o que eu gosto
Em geral, o mais importante tem sido tratar o momento com leveza. A Thais Godinho tem sido muito sensível em salientar muito isso em seus posts, e você deveria acompanhá-la, se gosta do que eu escrevo. Esse período não é fácil, mas vai passar. Acho que o mais importante é aproveitar as coisas boas, e faço questão de sempre registrar isso no meu diário: a oportunidade de almoçar todo dia com minha esposa, assinar o Globoplay só para assistir Modern Family, continuar cozinhando ouvindo podcasts.
Pode ser que falte um pouco de diversidade na minha fila de podcasts.
Coisas materiais podem ter parado, mas a vida continua.
Eu fazendo o que gosto. Em dias que não são a Sexta-Feira Santa o chá geralmente dá lugar à cerveja