Categorias
Artigos

Kindle Unlimited vale a pena? (e outras reflexões sobre ler mais)

Não é chocante para ninguém que eu leio muito:

Minhas estatísticas do Goodreads

(O que aconteceu em 2021? Minha única explicação até o momento é que eu estava tão focado em voltar a dar aulas presenciais, em ser pai e marido, que não tinha cabeça para outras coisas.)

Ler é simplesmente uma prioridade para mim. Eu não acompanho todas as séries, eu leio múltiplos livros por mês. Eu não compro roupas para mim, eu compro livros. Se eu não estou com minha família e não estou trabalhando, eu estou lendo. Não estou tentando evangelizar ninguém; se ler não é importante para você, vá fazer coisas de que você gosta.

Mas se isso é algo que você quer mudar em 2024, então considere o princípio básico de que ler deve ser a sua atividade padrão:

Em termos de quantidade, considere também que a questão dos ebooks está resolvida: leia livros no aplicativo do Kindle no celular que você já tem. Tome muitas notas, realce as suas passagens. Para aqueles que realmente lhe marcaram, compre os livros físicos e releia novamente, dessa vez com muita calma e reflexão.

Nessa linha, uma opção para ter acesso a muitos livros é o programa Kindle Unlimited – por R$19,90 por mês (em janeiro de 2024), você tem acesso a muitos livros para ler a vontade. Vale a pena?

Depende: Kindle Unlimited é uma ferramenta de descoberta, para que quer ler mais, e não para quem já lê bastante e quer mais livros relacionados aos seus livros recentes.

O catálogo é vasto e limitado ao mesmo tempo. Por exemplo, das trilogias de Bernard Cornwell, há geralmente um ou dois livros de cada série, claramente fazendo uma promoção e forçando o leitor a comprar o faltante (vou ter de fazer isso com a sequência de O Rei do Inverno, por exemplo).

Outro grande problema é que a maior parte das ofertas são de ficção popular barata (o mercado de livros eróticos para mulheres está em alta, aparentemente), que obviamente devem ter custado muito pouco para serem licenciados. Todos os livros que aparecem na seção de populares têm a mesma capa, a mesma cara, como se fosse uma produção industrial forçada nos leitores. Eu gosto de ler em quantidade, mas acho que isso é um pouco demais.

Por enquanto, eu pessoalmente vou continuar a assinar. Se compro um livro sobre criatividade, um grande interesse meu, um dia depois o serviço me oferece muitos livros similares – claro, todos de escritores desconhecidos e que parecem auto-publicados, sem edição nenhuma. Mas por R$19,90 (ou o preço de um litro de óleo de girassol), acho que vale a exploração.

Categorias
Resenhas de livros

Resenha: O Rei do Inverno

Não deve ser fácil ser Bernard Cornwell.

Talvez ele seja o o maior escritor vivo de ficção histórica, mas que acabou (ou planejou?) totalmente focado na história da Grã-Bretanha. Obviamente em algum momento surgiu a necessidade de contar a história de Artur, líder lendário britânico que, na versão de O Rei do Inverno, não é (oficialmente) rei. Mas como acrescentar algo à história que já foi tantas vezes recontada?

A resposta de Cornwell é acabar com todo o romantismo associado às lendas arturianas. Morgana é feia, mal-humorada, e alguém de quem todo mundo quer distância. Guinevere manipula todo mundo. Lancelot é covarde. Merlin só quer o caos. E o próprio Artur é apresentado como o clássico homem “que as mulheres querem e que os outros homens querem imitar” – até que se casa e vira um idiota. E claro, como todo romance cornwelliano, há muita guerra, mutilação, escorregões na lama, confusão, romances que duram 1 dia, crianças que morrem e ninguém está nem aí.

Apesar de essa tentativa de se diferenciar, é o ponto central do cânone Arturiano – o conflito tríplice entre os druidas celtas, os britânicos descendentes de romanos (e que adoram os deuses romanos) e os cristãos – que torna o livro mais interessante. Derfel, o narrador, se apresenta como um monge contando a sua vida – mas, mantendo o clima de subversão, dizendo a seu superior que está escrevendo o Evangelho em saxão. Logo sabemos que ele era um guerreiro pagão sob Artur; por que a conversão de fé? Num dos pontos altos do livro, Derfel têm de ir a um lugar cheio de feitiçaria dos druidas; a feitiçaria existe mesmo naquele lugar ainda não-cristão, ou apenas é um truque? Grande parte dos problemas de Artur, inclusive, decorre da sua tentativa de agradar todo mundo; se ele promete proteger um bispo, e a sua esposa desfaz o trato e derruba a igreja para construir um templo pagão, quem ter a real autoridade ali?

É quando a violência e caos geral se exageram é que a leitura fica mais chata. Na última parte, eu não parava de me perguntar quando a batalha iria terminar; não há suspense em nenhum momento, já que sabemos que o guerreiro chegou à velhice para contar a sua história.

Mas se eu quisesse suspense, eu não leria mais um livro de Bernard Cornwell, e sobre um personagem tão conhecido ainda. Eu leio para me divertir, para mergulhar naquela época tão interessante, na mente desses personagens tão conhecidos, para viajar por aquela geografia (outra parte importante do romance acontece no lugar que ilustra este post).

Só me falta conseguir decorar os nomes celtas e saxões para os próximos capítulos da saga…

Categorias
Resenhas de livros

Resenha: The Information

O que é informação?

Se você precisa dizer um “eu te amo” para a sua cara-metade, e a pessoa está do seu lado, é fácil – aparentemente. Física e biologicamente, o seu cérebro transmite sinais elétricos para as suas cordas vocais, que alteram a pressão do ar que sai dos seus pulmões; essas ondas de pressão se propagam no ambiente à sua volta e chegam ao ouvido da pessoa amada, e o tímpano transforma em sinais elétricos essas vibrações, e o cérebro alheio compreende as suas palavras.

Transmitir mensagens é uma atividade humana desde sempre (de “Perigo!” e “Há comida” a “Vamos no sushi hoje?”), mas há obstáculos. Se o interlocutor está a distância, o estraga-prazeres do atrito não vai deixar a sua voz se propagar por uma distância muito longa. A escrita resolveu parte do problema, mas criou outros: como codificar uma língua inteira em um alfabeto de 26 letras (e mais alguns símbolos, como espaço, pontuação, hífens)? E quando os humanos se acostumam a essa codificação, como transmitir uma mensagem escrita instantaneamente (em caso de guerras ou catástrofes, por exemplo)? E é possível transmitir a voz diretamente – como diabos alguém do outro lado do mar escuta a sua voz? Afinal, o que está sendo transmitido de fato?

É essa a pergunta que James Gleick tenta responder no pesado e excelente The Information (há também uma versão em português) – parte história (dos tambores africanos, da invenção do telégrafo e do telefone, com o clímax natural no início da computação) e parte resumo da Teoria da Informação, como diz o subtítulo. Esse é um livro para aprender, e muito. Você vai conhecer os grandes personagens (inclusive mulheres que deveriam ser mais conhecidos) que contribuíram para a arte de transmitir conhecimento.

A ideia central de The Information é a noção do bit, e as possibilidades do que está sendo transmitido é que determina o número de bits em uma mensagem. Se você precisa armazenar o resultado binário, como uma resposta Sim/Não de uma pergunta, você precisa de 1 bit (1 binary digit). Se você tem até 4 opções, precisa de 2 bits; para 8 opções, 3 bits, e assim por diante. Se você não tem nenhuma escolha, pode economizar bits; uma mensagem (em português) como “apartament” já está completa, já que a única letra a seguir possível é “o”, e você pode economizar pulsos elétricos na hora de transmitir essa última letra.

Uma popular série de brinquedos de heróis de pijama inclui os bonequinhos dos personagens e uma base que funciona com todos eles. Dependendo do personagem que é inserido na base, ela fica de uma cor diferente e emite um som diferente. Como os bonequinhos transmitem a informação para a base? Com um sistema de 3 bits (até 8 bonequinhos são possíveis de diferenciar, portanto), codificados com ressaltos nos pés:

Sistema de 3 bits para codificar a identificação de bonecos em uma base comum (que possui 3 orifícios). Observe que cada personagem tem um padrão diferente, onde cada pino pode estar presente ou não.

Um super jogo de tabuleiro também identifica os cartões com 3 bits:

Obviamente, comecei a prestar mais atenção nessas coisas justamente por estar lendo The Information.

Outro grande ponto alto, e que me deu várias ideias de leituras adicionais (um exemplo de livro centrífugo), é o capítulo sobre biologia e informação. O DNA é um grande código computacional, mas implementado com proteínas. Os meus dois filhos têm olhos claros, coisas que nem eu nem minha esposa temos – porque os nossos corpos só serviram como transmissores dessa informação.

O ponto fraco são os três capítulos finais, que sinceramente parecem mais uma exigência do editor. James Gleick parece forçado a discutir o tal excesso de informação – sendo que já há um excesso de excesso de discussões mais do mesmo. O próprio autor parece pensar que essa discussão não vale a pena.

The Information é um livro que exige bastante conhecimento científico (e gosto que Gleick não tem medo de inserir equações), mas que ensina muita coisa a que está disposto a dedicar as horas.