Stephen King escreveu que a boa ficção começa com “e se…”. Por
exemplo, o seu romance A Hora do Vampiro é a resposta à pergunta: “e se
todos os habitantes de uma cidade se transformassem em vampiros?”. Um
trabalho mais recente, Sob a redoma, trata do tema: “e se uma cidade
fosse aprisionada por um campo de força, do qual ninguém entra e ninguém
sai?”.
Há uma razão para “e se…” ser uma técnica tão boa. “E se…” tenta
evitar cenários óbvios. “E se…” chama a atenção do leitor, que fica
preso ao livro, o que, na minha opinião, deveria ser o objetivo de todo
romancista. “E se…” cria automaticamente um mundo novo, para o qual
podemos escapar como leitores.
A HBO está com uma nova série, O Negócio. A ideia é bastante
interessante: e se um grupo de prostitutas resolvesse profissionalizar o
meio? Criando a sua própria empresa (sem precisar de um cafetão),
bolando um plano de marketing, oferencedo planos de fidelização aos
clientes?
Histórias de prostitutas existem aos montes. Histórias dramáticas, onde
a prostituição era o cúmulo da humilhação e a única maneira de se
sustentar, e histórias politicamente incorretas, onde as meninas fogem
de casa para viverem uma vida de liberdade, gozarem e ainda ganharem
muito dinheiro com isso.
O Negócio oferece uma visão diferente. A série glamouriza a profissão,
ao mesmo tempo em que mostra os anseios de uma das garotas de programa
para casar e sair dessa vida. Fala da prostituta mais experiente e
pragmática, que quer apenas ganhar o máximo de dinheiro possível e da
mais nova, que não tem nem onde morar por ficar pulando de hotel em
hotel.
Vamos combinar, empresa de prostituição com cartão de fidelidade? Você
pode questionar a moral disso, mas há de concordar que é uma grande
ideia de ficção.
Eu só assisti a alguns episódios, e uma coisa me chama a atenção: a
série é muito bem feita. O roteiro é coerente, as interpretações das
atrizes são boas, as cenas de sexo são poucas e não vulgares, os
diálogos são inteligentes.
Um detalhe: O Negócio é uma série brasileira.
Há algum tempo, a HBO estava com outra série brasileira no ar, F.D.P..
De novo: e se fizéssemos uma série de futebol centrada no juiz? Ora,
isso é brilhante. Histórias de futebol todos conhecem, mas como é a
rotina de um juiz? Qual a sua realidade financeira? Como ele encara a
própria profissão? A série acertou o ponto ao tratar dos dilemas morais:
uma das tramas é o juiz, a ponto de perder a guarda do filho, receber
uma proposta de propina para ajudar o time de coração do filho. O que
fazer?
Sem falar no nome, absolutamente sensacional. Fazer uma série de
televisão sobre um juiz de futebol, e ter a sutileza de chamar de um
nome irônico como F.D.P. é bom demais.
Eu vi a primeira temporada toda, com muita satisfação. Era
entretenimento puro, com também excelentes atores e um roteiro bem
construído.
A Warner também está com uma série nova, chamada de Vida de
Estagiário. Quando você ouve uma série com esse nome, o óbvio pula na
sua frente: deve ser a história de um estagiário sofredor, tratado como
escravo, que sonha em ser efetivado. O que pode ser feito de criativo
com isso?
Nada.
Eu assisti a dois começos de episódio, mas não consegui ver mais que
isso. Vida de Estagiário é uma das produções mais mal feitas que já
vi. É um estilo de humor “besteirol”, onde o público ri dos tombos do
protagonista. As piadas não têm graça nenhuma. As situações são
esdrúxulas. O cenário parece de brinquedo.
E também é uma série brasileira.
Há algum tempo, o governo aprovou uma lei obrigando canais de TV paga a
exibirem conteúdo nacional. Existem muitos argumentos contra e muitos
a favor, mas não importa. A lei existe e deve ser cumprida.
A HBO, “forçada” a fazer uma série nacional, fez o jeito profissional.
Exibiu duas séries excelentes, provando que os talentos do Brasil na
dramaturgia não são poucos.
A Warner, na mesma situação, criou um programa esdrúxulo, sem graça,
quase que mostrando (na minha visão como espectador) a sua revolta com a
lei.
E eu fico surpreso com o quanto isso se relaciona à nossa vida pessoal.
Muitas vezes, ficamos com dificuldade na vida. Odiamos o nosso emprego,
odiamos o nosso apartamento, odiamos a nossa família. E como reagimos a
isso?
Fazemos do jeito HBO, usando as dificuldades como oportunidade para
melhoria? Se temos um chefe desagradável, descobrimos o que fazer para
conquistá-lo? Se não gostamos da nossa cidade, encontramos aqueles
lugares secretos, que poucas pessoas conhecem, para termos noites mais
agradáveis? Se temos de ler aquele livro chato para a escola,
pesquisamos algum filme baseado em obras do mesmo autor, só para
entender o seu universo? Se alguém bate no nosso carro, será que não
podemos usar isso para reavaliar a necessidade de usar o carro?
Ou fazemos do jeito Warner, abraçando a mediocridade? Já que estamos num
emprego ruim, vamos fazer o possível para ser despedidos e ganhar a
indenização? Se não gostamos da secretária, vamos infernizar a sua vida
ao máximo para ver se ela sai primeiro? Se ficamos doente, vamos
reclamar de tudo, dos médicos mercenários e do sistema de saúde, e da
vida injusta?
Tudo isso é uma escolha nossa. Podemos agir para melhorar ou podemos
sentar e reclamar. Podemos guiar nossa vida pelo jeito HBO ou pelo jeito
Warner.
Quem você quer ser?