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Duas dicas para lidar com a desmotivação durante a pós-graduação

Um leitor deixou um comentário em outro post, dizendo que está fazendo mestrado em uma área diferente da sua formação, está tendo problemas em trabalhar com seu orientador e que se encontra desmotivado de maneira geral. Comecei a respondê-lo, mas logo vi que um assunto dessa importância merecia um post público, para que outras pessoas possam visualizar também.

Acredito que não exista estudante de pós-graduação que não se sinta terrivelmente desmotivado em pelo menos algum instante. Eu mesmo passei por isso: no meio de meio mestrado, uma sequência de coisas começaram a dar errado (incluindo tubos de vidro explodindo, jogando água e cacos de vidro pelo laboratório todo), e comecei a esbravejar para meus amigos me internarem se eu resolvesse fazer doutorado, depois de passar por tudo isto. Bem, aqui estou no supra-citado doutorado há mais de um ano. A empolgação de terminar o seu trabalho, ver um documento científico com seu nome e o diploma com o título de Mestre mais do que compensam as dificuldades.

Porém, antes da alegria da conclusão, o desânimo é um problema real e mal abordado. Fazer mestrado ou doutorado é ingrato: você ganha pouco, trabalha muito, tem de enfrentar a burocracia da pesquisa brasileira e ainda tem de ouvir de todas as pessoas à sua volta a pergunta “mas você só estuda?”. Mas também é um privilégio: você (ao menos teoricamente) ganha dinheiro para estudar e se debruçar no que (também teoricamente) gosta, não têm um chefe para lhe dar ordens, tem todos os direitos de estudante, têm horários mais flexíveis. O segredo está em saber então aproveitar essas vantagens e adquirir hábitos que ajudem a passar por fases ruins. Tenho duas dicas principais.


Em primeiro lugar, com toda a discussão de pós-graduação ser trabalho ou não, ela certamente tem elementos de um trabalho “normal”. Quando você ingressa em um programa de pós-graduação, você carrega o nome do programa em tudo o que você faz: se você se atrasa para defender a sua dissertação ou tese, isso é reportado às agências de fomento e o seu programa perde pontos; quando você publica um artigo ou se apresenta em algum congresso, o nome da sua instituição é uma das primeiras coisas que aparece; quando você sai para trabalhar em algum lugar, você provavelmente será “o fulano que veio de tal universidade”, pelo menos para algumas pessoas. E se você ganha bolsa, isso pode estar atrelado aos esforços do seu orientador. Portanto, você não é um mero estudante, mas sim alguém que deve prestar contas de alguma forma, ainda mais se participa de algum grupo de pesquisa, fazendo com o próprio trabalho de outras pessoas dependa do seu.

Por esses motivos, tratar o ritmo de pós-graduação com profissionalismo é, na minha opinião, uma das coisas mais sensatas a se fazer, e isso envolve ter rotinas de trabalho. Sei que sou minoria, mas nunca em toda a minha jornada de mestrado ou doutorado virei noites no laboratório, assim como abomino a ideia de fazer do trabalho em fins de semanas um hábito (embora vésperas de prazos para artigos ou defesas sejam motivos aceitáveis, para mim). Algo que sempre me ajudou, mesmo nos piores momentos de desânimo, foi não abandonar o ritmo da vida cotidiana. Mesmo com tubos explodindo, eu ia correr quase toda manhã, ficava com minha namorada nos fins de semana, mantinha os horários das refeições e pelo menos aparecia para trabalhar todo dia, mesmo que seja para escrever um parágrafo de algum relatório.

Se você está desmotivado, a pior coisa que você pode fazer, na minha experiência, é seguir os extremos: ou se tornar a pessoa relapsa na qual ninguém confia, ou trabalhar demais para resolver os problemas rápido e ficar permanentemente cansado. A solução para o primeiro eu já falei: por pior que você se sinta, tente pelo menos, de segunda a sexta, sentar em alguma cadeira e fazer alguma coisa, qualquer coisa; uma vez vencida essa inércia inicial, você pode acabar entrando no ritmo. E a solução para o segundo problema teoricamente é fácil; durma o número de horas suficiente, alimente-se bem (nada de almoçar uma coxinha), exercite-se, e quando chegar em casa descanse, veja um filme, toque violão. Acredite: às vezes é tudo uma questão de energia.


A segunda dica se refere a aproveitar ao máximo as partes boas do seu mestrado ou doutorado. Você pode estar desmotivado com alguma coisa, mas certamente há outras nas quais você é bom e das quais você gosta. Já falei por aqui que o mestrado me ensinou que as pessoas que se destacam são aquelas que se especializam em algo paralelo à sua profissão, como engenheiros que são apaixonados por fotografia e se tornam admirados pelas imagens que eles produzem para seus trabalhos. O leitor que deixou o comentário que originou este post disse que estava tendo dificuldades em estudar o tópico (presumivelmente ao fazer a revisão da literatura). Caro leitor, deve haver algo de que você goste no seu trabalho (caso não haja nada, pode ser hora de procurar ajuda psicológica e conversar com seu orientador sobre possibilidades de mudar de projeto); aproveite ao máximo as suas horas nesse trabalho. Se ler artigos está chato, mas você gosta de desenhar, então produza os melhores desenhos possíveis. Se você tem de criar modelos numéricos, odeia programação mas gosta de escrever, pratique a escrita — talvez sobre o seu modelo numérico.

Como falei anteriormente, a primeira atitude é criar um sistema manter o profissionalismo, e pelo menos sentar para trabalhar. Ao começar o dia, resolva as suas prioridades primeiro, mas não deixe de fazer coisas das quais você gosta. Agora mesmo, são 16:30 da tarde e eu me dou o luxo de estar escrevendo este blog — mas só depois de ter passado mais de 4 horas trabalhando no Exame de Qualificação.


Essas são as duas principais dicas, baseados no que eu vivi e no que observo das pessoas à minha volta. Conheci algumas pessoas que adoravam reclamar da vida e se dizer arrependidas por fazer mestrado/doutorado, mas muitas delas achavam que a solução era dormir o dia inteiro para poder jogar videogame, ter horários caóticos e atrapalhar o trabalho dos outros (e essas pessoas não deixaram uma boa impressão). Por mais desmotivado que você esteja, você assumiu um compromisso (como falei anteriormente), e simplesmente não fazer nada não resolve a sua situação. Conheci também algumas pessoas que não estavam 100% felizes, mas que podiam ser encontradas todo dia no laboratório avançando no seu trabalho, motivando-se a terminar da maneira mais rápida para poder partir para outros projetos.

Um último caso, pode ser que você precise de ajuda mais especializada (recentemente conhecida minha teve séries crises nervosas e está precisando de atendimento psicológico). Considere também delimitar um período de férias (mas de no máximo uma semana), dedicada unicamente a fazer você refletir sobre a sua vida, ou no limite pedir trancamento para que você embarcar em outra jornada, pelo menos temporariamente. Mas, enfatizo novamente, faça alguma coisa.

Sei que fazer pós-graduação não é fácil. Espero que essas dicas possam trazer alguma luz a meus leitores que estejam passando por estes problemas.

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