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A minha rotina matinal

Eu me sinto meio tolo sendo mais um blogueiro que fala da minha rotina matinal, mas em nome da documentação do meu trabalho, aqui vai.

Thomas Frank hilariamente toca num ponto sensível sobre a obsessão por rotinas matinais: logo cai-se no perigo que achar que, se você não acordar às 4 da manhã e não fizer todo dia as mesmas 100 atividades na mesma ordem e no mesmo horário, nunca vai ter sucesso.

Para usar a terminologia newportiana, geralmente essas dicas são dadas por quem já tem capital de carreira suficiente (mesmo que sejam jovens) para conseguirem ter bastante liberdade de trabalho. Para os outros, que têm obrigações de local e horário, é irreal achar que vai ser possível encaixar meditação, atividades físicas, leitura, escrita de um diário e todas essas dicas comuns de rotinas matinais no intervalo de tempo entre acordar e sair de casa.

O principal ponto da rotina matinal é ajudar na produtividade. Como diz David Allen na nova edição de A Arte de Fazer Acontecer, é um objetivo nobre querer ser produtivo porque, se o que temos a fazer é desagradável, podemos concluir de maneira mais rápida se formos produtivos; e se for uma tarefa interessante, podemos nos dedicar a fazer o melhor trabalho possível com o tempo disponível. E como o próprio Allen defende, e eu rotineiramente comprovo, o requisito fundamental para a produtividade é o estado calmo e relaxado da mente. A rotina matinal é apenas isso: um maneira de começar o dia de maneira mais calma. Os dias em que as manhãs são tumultuadas tendem a ser os menos produtivos, porque justamente eu não tive tempo de me acalmar e começar o dia.

A minha rotina, enfim

Para sermos bem claros em relação ao contexto: essa é a rotina matinal de um estudante de doutorado que mora na Dinamarca, em um studio pequeno e provisório, junto com sua noiva, e tem de fazer um trajeto de trem de uma hora todos os dias. No total, entre acordar e sair de casa eu levo uma hora e vinte minutos. Essa é a rotina que tenho executado de maneira sólida no último mês, e tem três partes principais:

  1. Necessidades básicas
  2. Preparação para o dia
  3. Planejamento do dia

Necessidades básicas

Na faculdade fiz uma disciplina horrível que só me ensinou uma coisa: a pirâmide de Maslow de necessidades humanas. Na base da pirâmide estão as necessidades básicas, e é assim que eu começo o dia:

  1. Logo que acordar, tomar água (por isso a minha garrafa sempre está comigo)
  2. Abluções (sem entrar em detalhes)
  3. Exercício leve (algo somente para “ativar as juntas”; geralmente faço 10 flexões e 10 abdominais)
  4. Café da manhã de verdade

A inspiração para esses passos veio do app The Fabulous, que usei por pouco tempo antes de decidir que não valia a pena pagar. Mas o objetivo é bem básico: garantir que eu esteja hidratado, alongado e nutrido.

Uma nota sobre a parte de exercício: essa não é a minha atividade física principal. Para não gastar muito tempo de manhã, geralmente faço meus treinos de corrida no final da tarde, quando volto para casa. Prefiro fazer nesse horário para dar um descanso ao meu cérebro após um dia de trabalho, mas agora que estamos acordando bem mais cedo por causa do horário de trabalho da minha noiva, vou repensar isso e experimentar correr de manhã. Mas como falei, essa rotina de que tenho falado aqui é a minha atual, que vem seguido no último mês.

Preparação para o dia

Por preparação quero dizer as atividades básicas para garantir que eu possa sair de casa de maneira tranquila:

  1. Vestir-me (naturalmente)
  2. Encher a minha garrafa de água
  3. Separar os meus lanches do dia (frutas, nozes, sanduíches, bolos etc)
  4. Pensar no que vamos jantar e se é preciso comprar alguma coisa

Sobre as duas últimas tarefas: eu tento me alimentar bem e, quando estava no Brasil, ia regularmente à nutricionista. Por conta disso, tenho o costume de, aos finais de semana, sentar por uns minutos e pensar no que vou comer ao longo da semana, para garantir o máximo de diversidade. Por isso, antes de sair de caso tento pensar em que lanches preciso levar para a universidade. O planejamento das refeições inclui pensar nos jantares, tarefa que minha noiva fica muito feliz em deixar para mim, e assim todo dia eu consulto o nosso “menu” apenas para conferir se é preciso comprar alguma coisa na volta para casa.

Planejamento do dia

Os dois últimos itens são essenciais para garantir que eu possa sair de casa. Sinceramente falando, esta etapa de planejamento pode ser feito no trabalho ou até mesmo no trem, mas tento sempre fazer em casa para garantir que eu esteja 100% pronto ao cruzar a porta.

A grande inspiração para a minha rotina de planejamento diário veio de (quem mais?) Cal Newport. O propósito é tomar decisões conscientes sobre o que vou fazer e em que horário. E, relendo o supracitado A Arte de Fazer Acontecer, começo com uma revisão básica do dia segundo o GTD.

Aqui estão os passos:

  1. Conferir e processar todas as minhas inboxes de tarefas: Todoist, anotações em papel, coisas que guardei no Evernote (mas não email) — para detalhes sobre processamento de tarefas, consulte esse texto da Thais
  2. Conferir calendário para compromissos do dia
  3. Conferir calendário para ações do dia — coisas que só posso fazer hoje, como “comprar coisas fresquinhas para café da manhã de amanhã”
  4. Conferir calendário para lembretes gerais (e.g. “hoje é o prazo para submeter o artigo ao tal congresso”)
  5. Conferir próximas ações que tem prazo para hoje (“mandar mensagem para Fulano confirmando presença no evento de sábado”) — novamente, veja a diferença entre as ações pontuais do calendário e próximas ações
  6. Conferir as minhas metas da semana (mais sobre isso em posts futuros)
  7. Conferir minha Dashboard no Trello e ver quais os meus projetos mais importantes
  8. Com base em todos os itens acima, definir as metas para o dia e planejar dia hora a hora

O resultado final desse planejamento é um plano para o meu dia. Eu sempre carrego um caderno comigo, e nele sigo o esquema de Newport e crio uma mini-agenda para cada hora. No final, escrevo as minhas metas para o dia de hoje: três tarefas principais que, se completadas, fazem com que o dia seja considerado um sucesso. Com isso tenho sempre uma visão panorâmica do que devo fazer, e não preciso ficar consultando o Todoist ou o Trello. A minha notação para essas tarefas é uma versão simplificada do Bullet Journal

Uma página de planejamento do dia no meu caderno

Perdoem a qualidade da imagem, a letra feia e o caderno bagunçado, mas eu quis mostrar como é uma página real de planejamento. A parte em branco à direita da agenda e a parte livre na base da folha servem como uma área de anotações rápidas, geralmente criadas no meio de alguma atividade. Quando acabo a tarefa em questão, revejo e processo essas anotações em um formato mais permamente, colocando tarefas no Todoist, criando pequenas notas no Evernote etc.

Quando crio o meu plano do dia, isto significa que estou pronto para trabalhar. Já sei tudo que há para fazer, já limpei as minhas caixas de entrada, já garanti que estou trabalhando em coisas importantes. Posso pegar o trem, e quando chegar no trabalho basta revisar qual a primeira coisa a se fazer, colocar uma música e comecar a me engajar nas minhas tarefas.

Uma checklist no Evernote

Como falei, o objetivo de uma rotina relativamente longa assim é garantir que eu comece a trabalhar num estado calmo e relaxado. Então, justamente para que eu não esqueça nada e atinja esse estado, eu tenho uma checklist no Evernote onde detalho todos esses passos. Muitas destas atividades já se tornaram um hábito, mas consulto essa lista como um mecanismo de segurança.

Se o leitor não tem uma conta no Evernote, pode criar uma aqui1. E para os que já tem uma conta então, podem baixar essa checklist aqui.

E o leitor, tem alguma rotina ou hábitos para a parte da manhã que ajudam a preparar para o dia? Contem-me nos comentários!


  1. Esse link permite ao leitor criar uma conta grátis no Evernote, com direito a um mês da opção Premium. Para cada leitor que se registrar esse link, eu ganho pontos que posso trocar por meses de assinatura da versão paga. Resumindo: se o leitor quiser experimentar o Evernote, ao usar esse link não há nenhum custo envolvido e você ainda pode ajudar o seu blogueiro favorito. 
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O impacto da falta de carro na produtividade

Há uma observação aparentemente comum entre brasileiros que moram na Dinamarca: a vida aqui é mais calma. Não é uma quesão de impressão, ou de simplesmente concordar com o que os outros pensam; como já falei outras vezes, eu efetivamente me sinto mais calmo e produtivo, e naturalmente, tenho todo o interesse do mundo em descobrir como incorporar essa mentalidade quando voltar ao Brasil. Por isso não estranham os recentes (e provavelmente futuros) registros das minhas observações e aprendizados aqui.

Mas por que a vida aqui é mais calma? Existem muitos fatores, mas há um que acho que é fundamental: dirigir. Ou melhor, não dirigir.

O principal argumento meu para provar que o hábito de dirigir acaba com o estado calmo que é fundamental para a produtividade é a observação de que eu me sinto especialmente calmo nos extremos do dia de trabalho, ao contrário do que acontecia no Brasil — quando era justamente nesses momentos em que eu andava de carro. Claro, no meio do dia de trabalho eu posso me sentir cansado ou frustrado com coisas que não certo, mas os períodos de trajetos casa-universidade são agora momentos de relaxamento. Eu simplesmente pego o trem (de preferência no mesmo horário), fico sentado a viagem inteira, e posso fazer o que quiser: ler, escutar podcasts, perder tempo no Twitter, pegar o meu computador e escrever (como estou fazendo precisamente agora), ou simplesmente descansar e pensar na vida.

No Brasil, quando ia de carro para o trabalho, os trajetos eram sinônimo de estresse. Filas crônicas, motoristas mal educadados, e o eterno problema de achar vaga na UFSC 1. Eu chegava para trabalhar estressado, o que certamente atrapalhava a produtividade, e voltava para casa estressado, quando deveria estar relaxado.


Naturalmente, os menos ingênuos podem vir correndo comentar que a realidade de transporte no Brasil é muito diferente que na Dinamarca, mas fico me perguntando se não temos um excesso de conceitos pré-formados. Em relação à nossa total falta de estrutura para ciclistas não tenho como comentar (ao contrário de Copenhague, que é uma cidade feita para ciclistas), mas os trems também atrasam ocasionalmente, as áreas mais afastadas não tem a mesma cobertura de transporte público que o centro da cidade, e andar de trem e metrô aqui é caríssimo. Mas as pessoas que não podem fazer o trajeto de bicicleta (especialmente se for muito longe) ainda preferem o transporte público a andar de carro.

O que acho que eu posso levar para o Brasil é uma mudança de mentalidade. Primeiramente, aproveitar o fato de que moro perto da universidade e evitar andar de carro durante os dias de semana nos horários de pico a todo custo. Segundo, reclamar menos e planejar mais. Se aqui eu consigo carregar uma mesa de cozinha no ônibus (embora reconhecidamente não seja a coisa mais fácil do mundo), por que no Brasil o “padrão” parece ser usar o carro ao menor indicativo de que é preciso carregar alguma coisa? E se aqui eu planejo cuidadosamente que ônibus e trens pegar, por que no Brasil eu logo penso “dá muito trabalho, vou ter de pegar dois ônibus, e vai demorar horrores”? O meu trajeto diário aqui também demora horrores, mas esse não é tempo perdido, como falei. Seja para descansar a cabeça ou para ler um livro, o tempo dentro de um ônibus pode rendar muita coisa.

O que é tempo duplamente perdido é o tempo de ficar sentado nas filas de Florianópolis, somado ao tempo para parar de reclamar do estacionamento cheio e começar a trabalhar.


  1. Confesso que um dos meus maiores choques ao chegar aqui foi ver a quantidade de vagas para carro não utilizadas na Universidade aqui