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Resenhas de livros

Resenha: Como Ler Livros

Eu me considero alguém que lê bastante. Só nesse ano, já li 11 livros, o
que é mais que muitas pessoas lêem num ano inteiro. Já devo ter deixado
claro aqui que ler é uma paixão profunda minha.

Porém, admito que não sou um bom leitor. Às vezes, fico tão ansioso
para terminar o livro que acabo correndo para terminar logo e começar
outro. Não raramente fica a impressão de não ter ficado nada gravado na
cabeça. E isso é desesperador; é uma sensação de tempo perdido.

Depois de ler Como Ler Livros, de Mortimer Adler e Charles Van
Doren, é possível entender por quê. Ler é uma atividade complexa que
exige técnicas. Ler um livro é muito mais que virar páginas e ouvir
uma voz recitando as palavras.

A ideia da obra é bastante direta. É possível ler de diversas maneiras,
mas quando se quer realmente entender um livro é preciso ler da maneira
certa. É o que os autores chamam de “níveis de leitura”.

O primeiro nível é o da leitura elementar. É a simples decodificação
da linguagem, acompanhada da interpretação mais básica. É ler letra após
letra, palavra após palavra, parágrafo após parágrafo. É ler algo como
“as gaivotas voavam sobre o mar azul” e ser capaz de realmente
visualizar gaivotas voando, imaginar um mar azul (talvez uma praia que o
leitor já tenha frequentado) e juntar as duas coisas. É aqui que acaba a
leitura ensinada nas escolas e é aqui que a maioria das pessoas para.

O segundo nível é a leitura é o da leitura inspecional. Ela tenta ver
o livro como um todo. Leia o prefácio (não consigo imaginar como alguém
pode pular o prefácio, a propósito): qual a intenção do autor? Leia o
sumário e veja como o escritor estruturou a sua ideia. Leia o livro
rapidamente, parando em apenas alguns trechos para ler com mais atenção.
A leitura inspecional é responder à pergunta: “esse livro é sobre o
quê?”. É um romance, um livro sobre política, ou sobre matemática, ou
sobre a História do Brasil? Quais são os principais ideias? Embora sem
se dar conta, muitas pessoas conseguem ler num nível inspecional.
Terminam o livro e sabem que não é apenas um amontoado de frases; existe
uma ideia básica que o autor apresentou sob algumas formas. Talvez o
leitor não seja capaz de escrever uma resenha, mas consegue formular um
resumo básico.

O terceiro nível é o da leitura analítica. Certo, o livro é sobre a
História do Brasil; mas qual a posição do autor? Ele está priorizando os
momentos do Império ou da República? Toma partido a favor ou contra a
escravidão? Dá mais destaque à esquerda ou à direita? Ou então talvez o
livro seja sobre ciências. O autor está sendo claro? Os exemplos que ele
passa parecem plausíveis? O autor usa a matemática para confundir ou
para esclarecer?

O leitor que lê analiticamente consegue aprender o que o livro quer
ensinar. Ele consegue criticar o que o autor quer dizer. Na verdade,
essa é a técnica fundamental da leitura analítica. Só consegue ler de
maneira analítica a pessoa que, depois de ter feito leitura inspecional,
sabe as principais perguntas a serem feitas ao livro (notem como eu
expliquei a leitura analítica apenas com perguntas); agora a tarefa é
encontrar as respostas. Ler bem um livro significa questionar o autor a
todo momento. O verdadeiro leitor jamais falaria algo como “não sei bem
por que, mas não concordo com isso”; ele primeiro entende, e depois
julga.

Na verdade, praticamente 80% de Como Ler Livros é sobre leitura
analítica. Os autores põem muita ênfase em se preocupar em procurar as
palavras-chave, depois os termos principais, em seguida as proposições
mais importantes.

O quarto nível é o da leitura sintópica. Significa transcender o livro
e ler vários livros sobre o mesmo assunto e apontar diferenças e
semelhanças. É aplicar a leitura analítica diversas vezes. É assumir
algo como “quero aprender a mecânica clássica” e ler Newton, Laplace,
Galileu e d’Alembert, comparando-os. Claramente, é tarefa de
especialistas.

Como Ler Livros é daqueles exemplos que não trazem nenhuma ideia
revolucionária mas apontam alguns conceitos do senso comum dos quais nos
esquecemos:

  • Você está lendo para quê? Quer apenas dar uma olhada no livro ou
    aprender sociologia? Diferentes objetivos demandam diferentes modos
    de se ler.
  • Dê uma lida rápida e só depois volte nos pontos em que há dúvidas,
    não necessariamente na ordem do livro.
  • Não faz sentido começar a procurar as palavras no dicionário se você
    não faz nem ideia do assunto do livro. Mas quando precisar fazê-lo,
    saiba o que e por que você está consultando-o.
  • Ler não é uma atividade passiva. Se você para para interpretar uma
    frase que seja, já está interagindo com o autor (os autores usam um
    exemplo muito interessante do beisebol, que pode ser melhor
    entendido com uma analogia do futebol. Um goleiro, apesar de
    “apenas” agarrar a bola, não joga passivamente. Ele precisa prestar
    atenção em muitos jogadores, calcular a velocidade da bola,
    movimentar-se para o lado certo).
  • Livros difíceis merecem ser lidos muitas vezes
  • O tipo de atitude que você tem ao ler um livro de filosofia tem de
    ser totalmente diferente da atitude de ler uma peça de teatro.
  • Não é porque se trata de um romance que não existe nenhuma mensagem
    a ser captada.

O livro tem seus defeitos. Os autores se enlongam demais em alguns
trechos, são bastante repetitivos (a maneira que eles enfatizam o
questionamento do autor é cansativo), dedicam pouco tempo à leitura
sintópica e quase completamente ignoram as obras de ficção (embora eu
concorde com eles quando dizem que ler um romance ou poema é algo muito
subjetivo e dependente das experiências do leitor).

Como Ler Livros, no geral, é um monumento de exaltação aos livros e ao
ato de leitura, e suas reflexões já estão mudando completamente a
maneira como encaro os livros. Faça-se um favor e leia.

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99 centavos

Não sei se o nobre leitor ou leitora já lidou alguma vez com
programação de computadores, mas eu já. Quando morei na Alemanha, meu
trabalho como estagiário em um instituto de pesquisa era criar um
programa de computador que simulava um refrigerador. O usuário digitava
alguns valores numa planilha, basicamente as condições de trabalho do
refrigerador (quão gelado deveria ficar o refrigerador e quão quente era
o ambiente, entre outras coisas) e meu programa calculava as pressões e
temperaturas dentro do refrigerador. O engenheiro então projetaria
equipamentos que suportassem esses valores.

Não existe nada de extraordinariamente complicado nesse problema.
Milhares de pesquisadores já formularam as equações que descrevem um
sistema de refrigeração. Minha tarefa era procurar em artigos e livros a
equação que mais se encaixa, escrever o programa dando instruções para
ler a planilha, calcular os parâmetros e resolver as equações. Depois,
basta rodar alguns testes e comparar com valores medidos em laboratório.

Mas coisas podem dar errado. O modelo é tão complicado que o programa
fica tentando resolver a equação infinitamente, sem nunca chegar a
alguma solução. Ou um conjunto misterioso de parâmetros faz o programa
travar. Ou o programa calcula alguma temperatura (em Kelvin) negativa.
Ou a pressão mínima é maior que a pressão máxima. Ou a Segunda Lei da
Termodinâmica é violada.

Tudo, claro, erro meu. Um erro de digitação, ou a escolha da equação
errada, ou a escolha de um método de solução de equações errado. É fácil
se perder à medida que o programa vai crescendo.

O que quero dizer é que programar dá trabalho. Eu sou engenheiro
mecânico, e não tenho nenhuma educação formal em programação ou
computação. Tive uma disciplina de programação da faculdade, mas foi
aquele exemplo clássico de um departamento dando aulas para outro,
achando que o outro nunca vai aprender, que engenheiro mecânico tem de
lidar com graxa e não com algo tão sofisticado quanto um programa de
computador. Não aprendi nada, basicamente. Tudo que sei aprendi fazendo.
Ainda assim, meu programa ficou razoavelmente bom, e meu chefe de lá
mandou um email meses depois dizendo que ele estava sendo bastante útil.

Eu me considero uma pessoa educada, mas depois de todo esse trabalho, se
alguém se oferecesse para comprar meu programa por 99 centavos de dólar,
eu mandaria essa pessoa à merda.


Temos que mudar nossa mentalidade de não querer pagar por software.
Achamos que um programa não é coisa física, que a internet está aí para
“democratizar a informação”, que o culpado é quem colocou no Pirate Bay,
que um software é um artigo de segunda linha.

Produzir um software dá trabalho.

A atual economia de apps por $0,99 na App Store (não posso falar do
ecossistema Android porque não possuo um aparelho desse tipo) não é
sustentável, claramente. Se eu tivesse de vender o meu programa por
$0,99, eu faria uma de duas coisas: ou me preocuparia cada vez menos
(para que dedicar meu tempo para algo que vai me render $0,70,
descontada a fatia da Apple), ou simplesmente abandonaria o projeto e
procuraria outra coisa mais rentável. Observe os apps que você comprou
de graça ou por 99 centavos e me diga que isso não aconteceu.

Você paga R$50 por um livro que vai ler uma vez e nunca mais, paga
R$200+ por uma calça que não pode usar muitas vezes para não repetir,
paga R$ 50 por um rodízio de sushi, para R$1000 por um celular, mas
acha um app de $10 é muito caro?

Precisamos valorizar os desenvolvedores que estão nos ajudando.


Quando eu comecei a tomar conta da importância disso, a coisa mais
benéfica que aconteceu foi que eu parei de comprar apps inúteis. Em vez
de baixar um app de graça ou por $0,99 sem pensar, quando eu quero
comprar um programa de $10 ou $20, seja para iOS ou o OS X, eu paro e
penso
. Esse app vai me ajudar? Eu vou usar quase todo dia?

Ultimamente, o resultado foi positivo. Apps como Notesy, que me
permite visualizar e editar minha notas (e onde estão guardadas muitas
ideias para próximos posts); Byword, onde escrevi o meu último
post
, aliás totalmente escrito e publicado em um iPad; Drafts,
ótimo para capturar pequenas notas; 1Password, um gigante que me
permite gerenciar minhas senhas e minhas licenças (valioso demais
quando tive de formatar meu computador); Taskpaper, para gerenciar
minhas tarefas; Instapaper, para guardar páginas que acho
interessante e quero ler mais tarde, quando tiver tempo.

Em todos esses aplicativos, paguei mais que $0,99, e todos são
extremamente úteis. Nesse momento de minha vida, esse site é muito
importante, então ter um bloco de notos poderoso (Notesy) e um editor de
texto (Byword) comigo, a todo momento, é igualmente importante para mim.
Eu sou constantemente atormentado por ideias, então ter um aplicativo
que me permite registrá-las rapidamente (Drafts) é importante para mim.
Poder gerenciar minhas tarefas com o Taskpaper, entre meu mestrado, esse
site, coisas que preciso comprar, outros projetos pessoais (mais sobre
isso num momento futuro), é importante para mim.

E como é importante, eu me recuso a confiar essas tarefas a um programa
que é grátis (e que logo vai ser abandonado ou, pior, abarrotado de
anúncios) ou vendido a 1 dólar.


Nada disso que eu falei é novo. Na verdade, minha pretensão inicial ao
começar esse texto era fornecer uma introdução a uma série de leituras
que acho essencial que o leitor tenha para pensar melhor sobre o
problema.

Pode começar lendo essa espetacular série sobre a economia da App
Store. Pode continuar lendo a análise de Lex Friedman na Macworld, a
opinião de Marco Arment, desenvolvedor do Instapaper sobre o
assunto (que cita os outros dois textos) e a análise de Tulio
Jarocki
sobre esse último artigo, que praticamente me inspirou a
escrever isso. Todas essas pessoas escreveram sobre o mesmo assunto
(praticamente sobre a mesma ideia), de maneira muito superior. Estou
tentando apenas chamar a atenção para o problema, dar um exemplo pessoal
(por favor, não me considero nem de longe um programador!) e apresentar
essas ideias em Português (rode uma pesquisa por “pagando por software”
e “paying for software” e tire suas conclusões).

Num próximo post falarei sobre os serviços web que supostamente também
são de graça.

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A primeira vez que um homem diz eu te amo

Um homem passa por muitas experiências ao longo da vida.

Somos alimentados com leite materno, e é bom. Somos desmamados, e embora
com certa relutância, aceitamos. Comemos terra, e a julgar pelas nossas
caras de prazer, é a maior iguaria do mundo.

Andamos de bicicleta, e caimos, e queremos morrer de tanta dor.

Chutamos uma bola, e um mundo se abre a nós. Ou não.

Achamos que não tem nada de mais ficar até tarde jogando videogame na
casa de um amigo sem avisar aos pais, e levamos bronca.

Recebemos nota baixa naquela matéria insuportável.

Passamos no vestibular, e descobrimos que somos burros.

Aprendemos a dirigir, e batemos o carro na mureta de casa. Ou sonhamos
em ser o próximo Senna.

Assumimos o primeiro emprego, e somos demitidos.

Morremos.

Tudo isso faz parte da vida de um homem. Mas nada disso importa.

Porque os momentos, as experiências que realmente importam, passamos ao
lado de uma mulher.

Livros, teses, filmes, estudos foram feitos sobre as primeiras vezes. O
primeiro selinho naquela brincadeira de “verdade ou consequência”, e as
meninas não são mais tão chatas. O primeiro beijo de língua, também
conhecido como “o paraíso é aqui”, ou a sua variação “menina com gosto
de morango”. A primeira vez no hiper-americano second base. A primeira
vez que se vê uma mulher nua, provavelmente a cena mais bonita do mundo.
A primeira transa.

Tudo isso é muito bom, e todo homem lembra disso para sempre. Lembramos
inclusive das segundas vezes, e terceiras e quartas.

O que niguém fala é o mais importante. É a primeira vez que um homem diz
“eu te amo”.

Porque isso define um homem. Depois que um homem diz para uma mulher que
a ama, depois que um homem tem a coragem de o fazer, o mundo muda. Um
garoto de 14 anos pode transar, mas dificilmente pode dizer isso tendo
noção da sua importância. Porque amar não é andar de mãos dadas no
shopping, ou admitir que ama na frente dos amigos, ou comprar
chocolates, ou colocar a foto da menina como fundo de tela no celular.

É tudo isso, e muito mais. É dizer todos os dias que a sua garota está
linda sem precisar mentir, porque um homem que se preze acha a sua
mulher linda. É dar flores não por dar, mas por que isso vai provocar o
sorriso mais bonito do mundo. É fazer qualquer por esse sorriso, aliás.
É pedir desculpas por algo errado, mas ser firme quando se acha na razão
(e pedir desculpas novamente se descobrir que não está mais). É tratar a
sogra como se deve. É tratar a mulher como se deve. É priorizar a
mulher na hora do sexo (porque um sexo com uma mulher não é uma
masturbação a dois, ao contrário de crença popular).

Amor não é coisa de criança. Amor exige responsabilidade – por outra
pessoa.

Você pode ser tímido, retraído, pouco desinibido (*sounds like me*) e
ter dito poucas vezes. Pode ser experiente e ter dito muitas vezes. Pode
ser um mentiroso e dizer toda semana. Pode ter dito uma única vez.

Não importa. Foi aquela primeira vez (*A* primeira vez) que realmente
mudou tudo.

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Não sabem nada?

George Bernard Shaw (1856-1950) ajudou a fundar a London School of
Economics e é a única pessoa a ter ganho um Nobel de Literatura e um
Oscar.

Shaw foi um dramaturgo respeitado, e escreveu também ensaios, romances,
contos. Eu já tive a oportunidade de ir a Dublin, sua terra natal, e vi
que ele é um monumento nacional irlandês.

E ele também disse a famosa frase, na peça Man and Superman:

Quem sabe faz, quem não sabe ensina.

Ora, isso é completamente ridículo.

Primeiramente, o que é “fazer”?

Shaw apresentou essa ideia em uma peça de teatro, e portanto não pôde
desenvolver o argumento. Mas seu sentido não é difícil de interpretar.
Ele mesmo foi um escritor prolífico, que passou a vida efetivamente
“criando”. Alguém que se dedique a “ensinar a criar”, na sua visão,
estava aproveitando mal o seu talento, ou, pior, não tinha talento
suficiente.

Já muito ouvi essa frase, quando ficou claro para meus amigos e
familiares que eu estava indo para o meio acadêmico. Meu lugar, o lugar
de um engenheiro, é na indústria, ganhando muito dinheiro, trabalhando
nos fins de semana (porque é isso que os homens de verdade fazem),
torcendo para que seja promovido e não precise lidar com essas coisas
chatas como equações, simulações e gráficos.

Posso estar sendo generalista demais, mas já virou um clichê dizer que a
universidade não prepara para o mercado de trabalho, que as pessoas saem
de lá sem saber nada, e pior, que todos os professores são doutores e
nenhum nunca chegou a trabalhar de verdade.

Meu amigo, a universidade não é uma escola profissionalizante. Isso é
tarefa das escolhas técnicas, dos Institutos Federais. Universidade é um
lugar de Ensino Superior. Ela não me ensinou a ser engenheiro,
ensinou-me Engenharia. A universidade não lhe dá um cargo de arquiteto,
mas um título de Arquiteto.

A universidade não lhe forma juiz, advogado, ou promotor; dá-lhe um
título de bacharel em Direito.

Basta o nobre leitor pensar nos concursos públicos que fez ultimamente;
quantos exigiam uma formação específica ou quantos apenas exigiam “curso
superior”? E quantas pessoas você conhecem que estão trabalhando em
áreas completamente distintas daquela em que se formaram?

Seja você formado em Odontologia, Design ou Ciências Sociais, você
passou por uma série de tarefas que lhe deram o título. Escreveu talvez
uma dúzia de trabalhos (portanto sabe se expressar de maneira
minimamente decente), participou de eventos, desenvolveu um trabalho de
pesquisa, criou uma tese, um trabalho artístico, ou um projeto
científico. E é esse conhecimento teórico que é muito mais importante na
sua vida intelectual que quaisquer habilidades técnicas que você deveria
ter aprendido.

Essas tais habilidades, naturalmente, precisam ser aprendidas. Meu ponto
é que o lugar para isso não é na sala de aula. Temos estágios, visitas
técnicas, parceria universidade-empresa, projetos de consultoria. Tudo
que os alunos podem fazer, complementando a formação. Naturalmente,
existe muita deficiência e muito espaço para aproveitamento. Um
engenheiro precisa conhecer uma fábrica, assim com um bacharel em
Direito precisa conhecer um tribunal e um médico precisa conhecer um
hospital.
Mas você acha que é melhor um médico ir dar uma aula sobre atendimento
de emergência ou você participar de um? Não faz diferença você ter aula
com algum engenheiro que já trabalhou em uma indústria, porque nada
substitui a experiência de você estar lá. Isso não pode ser aprendido
dentro da universidade.

Já que é papel da universidade dar uma formação teórica, nada melhor que
aprender com especialistas; na condição ideal, teóricos do ramo, gente
que está desenvolvendo a disciplina. Na minha faculdade eu não aprendi a
montar um carro, ou a perfurar um poço de petróleo, ou a projetar uma
nova máquina. Aprendi disciplinas de engenharia, que então podem ser
aplicadas a uma ocupação específica (um engenheiro, um bom engenheiro,
não constrói pontes, mas resolve o problema de atravessar o rio).
Aprendi termodinâmica com um professor que desenvolveu e orientou
trabalhos que, só nos últimos 6 anos, renderam dois prêmios
ABCM-EMBRAER de Melhor Dissertação de Mestrado em Engenharia Mecânica
e uma menção honrosa no Prêmio Capes de Tese. Aprendi metodologia de
projeto com membros do grupo de pesquisa que publicou o primeiro livro
em português sobre o assunto. Dois professores do Departamento de
Engenharia Mecânica da UFSC tiveram seus trabalhos testados no
espaço pelo astronauta brasileiro Marcos Pontes.

E você está tentando me dizer que essas pessoas não sabem nada?

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Notas do autor

Uma necessidade de escrever

Eu acho que tinha 15 anos quando li esse poema de Paulo Leminski,
onde ele diz que escreve porque precisa. Escreve porque as estrelas no
céu lembram letras no papel.

Bem, meus amigos, eu preciso escrever.

Por acaso, eu me formei em Engenharia Mecânica, uma profissão
frequentemente descrita como “útil”. Você sabe, todo mundo precisa de um
carro, um refrigerador, um eletrodoméstico, entâo você não pode duvidar
da utilidade dos engenheiros mecânicos. E, rapaz, como nos gabamos
disso. Geralmente vemos a sociedade como dividida em dois grupos:
aqueles como nós, necessários (médicos, advogados, arquitetos,
contadores), e os que não são. Estes são os artistas, escritores,
historiadores, filósofos. O problema é que, antes de termos carros,
tínhamos Sócrates. Antes de termos refrigeradores, tínhamos Shakespeare.
Antes de James Watt e da Revolução Industrial, humanos estavam cantando,
e escrevendo, e pintando. E eles fazem isso, nós fazemos isso, porque
nós precisamos. Precisamos nos expressar. O cérebro humano evoluiu tanto
que criou a arte e a ciência. É fascinante que a mesma espécie que
inventou o Cálculo e a Teoria Quântica também preencheu o Louvre.

Ler sempre foi uma parte importante da minha vida. Sabe, eu era um
garoto extremamente tímido. Agora sou só tímido. Eu realmente gosto de
me enterrar naquelas letras que vejo nos livros, aquelas histórias
incríveis, de super-heróis ou advogados comuns. Parecia tão mágico que
alguém, alguém como eu, pudesse ter escrito uma dúzia de palavras, e
então eu pudesse ir a uma livraria e ver um livro com o nome dessa
pessoa na capa. Como disse (melhor, escreveu) Stephen King na sua
maravilhosa auto-biografia, escrever é uma forma de telepatia. Agora
mesmo, você está lendo essas palavras, minhas palavras, e nós
estamos tendo uma conversa sem nem mesmo estar na mesma sala.

Como usual, com a leitura vem o desejo de escrever. Para ser bem franco,
quando criança eu só queria meu nome na capa, e eu orgulhosamente
confesso que entrar numa livraria e ver meu nome na capa de um livro é
presentemente o meu maior sonho. À medida que fui ficando mais velho,
percebi que talvez eu pudesse escrever um pouco também, e que isso é tâo
importante quanto um nome impresso.

A idade trouxe também um aumento no número de interesses. De repente, eu
estava lendo livros sobre ciência, tecnologia, história, finanças
pessoais, produtividade. O que importa não é necessariamento o conteúdo,
mas o poder das palavras escritas. Um história bem tola pode ter uma
mensagem interessante por trás. Um livro sobre complicadas teorias
matemáticas foi escrito por pessoas ordinárias, cujas vidas dariam
premiados romances. Tudo é apenas a expressão da inteligência humana.

Eu escrevi muitas coisas na minha vida, provavelmente nenhuma delas
merecedora de publicação. Entretanto, minhas professoras de Português
pareciam gostar das minhas tarefas. Foi por aí que vi que tinha certa
habilidade com as palavras. Por diversão, escrevi alguma histórias. Eu
sou ótimo em começar histórias e péssimo em terminá-las, então não
guardei nada. Escrevi tambem alguns ensaios, e até já tive um blog, no
qual publiquei todo tipo de texto meu (aqueles que eu consegui
terminar). Nada extraordinário, mas enfim. Chegou o vestibular, e a
falta de tempo, e finalmente a falta de motivação.

Veio a faculdade. Tantas coisas novas, tantas experiências.
Infelizmente, esqueci da alegria de escrever.

Quando estava prester a concluir, eu voltei a ler um bocado.
Naturalmente, o desejo de escever veio junto.

Eu não sou Machado de Assis, nem Jorge Amado, e jamais escreverei
qualquer coisa próxima do pior trabalho de José Saramago e Fernando
Pessoa. Essa gente não é deste mundo. Eu sou, portanto eu escrevo com as
habilidades que tenho. Meus professores, minha mãe (isso não vale), meus
amigos parecem gostar do que eu escrevo. Que diabos, se uma única pessoa
gostar já está valendo.

Eu luto com o constante fluxo de ideias chegando na minha cabeça. Neste
exato momento tenho ideias para meia dúzia de romances (tenha paciência,
serão escritos no momento adequado). E como falei, tenho pensamentos
sobre muitos assuntos diferentes. Esse site é uma tentativa de coletar,
organizar e armazenar essas ideias. Eu já tive um blog, mas agora eu
estou muito mais maduro. Era uma criança quando escrevi aqueles textos
bobinhos, e agora eu sou um homem. E um homem que precisa escrever.