Em Four Thousand Weeks, Oliver Burkeman faz o alerta de que o ser humano típico vive apenas 4000 semanas em toda a vida, e conta que as pessoas (para quem ele perguntou de maneira não-científica) largamente sobre-estimam o tempo de vida numa unidade não-usual como “semanas”.
Como professor de engenharia, isso me faz pensar na noção de escalas, uma habilidade essencial de engenheiros que leva anos a desenvolver propriamente (eu mesmo estou longe de ter uma noção perfeita). Todo mundo sabe que 1000 ˚C é quente, mas e outras unidades e dimensões?
Ao considerar um equipamento que entrega 100 W de potência, você imediatamente consegue pensar no que é isso? É o consumo de uma lâmpada média.
Um compressor de geladeira consome algo em torno de 1/5 de HP – você tem noção de que isso é 200 vezes menor que o motor de um carro? (tudo isso são valores típicos).
O que é 60 km? É a distância que se percorre em 1 h de carro, com uma velocidade média de 60 km/h (que envolveria você trafegar por uma cidade em velocidades baixas, pegar uma rodovia a mais de 100 km/h, e depois entrar em outra cidade).
Um motor a combustão interna aspira ar atmosférico, recebe uma adição de combustível, promove a combustão dessa mistura, realiza o seu trabalho, e depois joga os produtos da combustão na atmosfera. O que o motor descarrega não é ar e gotículas de combustíveis; os reagentes sofreram mudanças químicas, tanto que perderam energia no meio do caminho.
Quando eu comecei a estudar o assunto de combustão mais aprofundadamente para preparar asminhasdisciplinas sobre o assunto, percebi o quanto é comum, em livros de termodinâmica, tratar do resultado da reação com um nome genérico como produtos da combustão, como se fosse uma substância química própria, cujas propriedades podem ser encontradas em tabelas. Acho que isso impede compreender de fato o assunto da combustão. O que acontece na queima de um combustível afeta a eficiência da máquina térmica que essa queima vai acionar, e são esses produtos que vão circular por motores e turbinas. Para estudar melhor os ciclos termodinâmicos, é preciso saber o que há ali dentro.
Recomendo a todos que se interessam pelo assunto de combustão, e a todos os meus estudantes, que leiam A História Química de uma Vela, onde Michael Faraday vai explicando e demonstrando passo a passo o que está acontecendo na combustão de uma vela.
Os produtos da combustão são gases, resultantes da oxidação do que há dentro do combustível com os componentes do ar atmosférico, que são basicamente gás oxigênio O2 e gás nitrogênio N2. A maioria dos combustíveis é baseado em hidrocarbonetos, então em primeiro lugar o carbono vai formar dióxido de carbono CO2 (que, surpreendentemente, não é um poluente, pois existe naturalmente na atmosfera; o problema é quando há CO2 em excesso). Se a combustão for defeituosa, vai faltar oxigênio, então vai haver liberação de fuligem – partículas sólidas de carvão. Faraday observou que são essas partículas que, quando ficam muito quentes, brilham muito quente e com uma chama laranja; uma chama “correta” é azul. Em condições ruins, pode haver também formação de monóxido de carbono CO, que é tóxico.
Se houver oxigênio demais, vai sobrar gás oxigênio nos produtos, e para prevenir os efeitos indesejados acima geralmente os processos de queima ocorrem com excesso de ar.
O nitrogênio do ar geralmente não participa da queima, a não ser em temperaturas muito altas (acima de 1800 ˚C). Na verdade, o nitrogênio, por ser muito pesado, acaba atuando como uma “esponja” térmica e sai muito quente da chama. Se a reação for quente demais, vai haver formação de óxidos NO e NO2; estes promovem chuva ácida quando se mistura com a umidade atmosférica. A chuva ácida também é uma consequência da formação de dióxido de enxofre, SO2, se o combustível contiver enxofre (os derivados líquidos de petróleo geralmente o tem).
Falando em umidade, a combustão do hidrogênio, além de produzir uma chama muito brilhante, também cria vapor d’água. Eu não sei isso é surpreendente só para mim; associamos água como algo que apaga o fogo, e não que é criada a partir do fogo. Faraday deu a receita fácil: retire água de uma fonte, ponha para ferver, e direcione o vapor para reagir com ferro; o ferro se oxida e sobre gás hidrogênio. Esse gás é a única substância que, ao se oxidar, produz apenas água; com as reações corretas, você retém o hidrogênio e reconstrui as moléculas de água usando o oxigênio atmosférico.
Então, agora você já sabe, produtos da combustão não são uma entidade, mas em geral uma mistura de fuligem, CO2, CO, SO2, O2, N2, NO, NO2 e H2O. Para entender o assunto, você precisa dar nome às coisas.
Se o leitor ou leitora teve aulas de Física em algum momento da vida, deve ter ouvido falar do Ciclo de Carnot, o ciclo “ideal” de uma máquina térmica. Um motor de Carnot funciona da seguinte forma: aprisionamos uma quantidade de um gás dentro de um cilindro, como o de um motor automobilístico, que pode se expandir e contrair para movimentar um pistão (o leitor pode visualizar uma seringa, se ajudar). Esse gás inicialmente está em um volume pequeno e em uma temperatura muito alta (bastante comprimido). Se soltarmos o pistão, o gás vai se expandir e resfriar; para evitar que isso aconteça, colocamos esse cilindro em contato com um grande corpo quente na mesma temperatura do gás, que então vai manter a temperatura constante enquanto este se expande – mas aí vem o detalhe: nunca podemos deixar o gás se resfriar, então precisamos fazer isso de maneira infinitamente devagar: deixamos o gás quente empurrar o pistão por uma distância de um pentelhésimo, esperamos estabilizar a temperatura entre o gás e o corpo quente; e então repetimos o processo. Fazemos isso até atingir a variação de volume que quisermos (e que o cilindro comporta). Em seguida, envolvemos o cilindro com um material isolante e deixamos o gás quente (lembre-se, não deixamos a temperatura abaixar) se expandir até atingir um outro limite de temperatura. Nesse outro nível, agora invertemos os processos: nós comprimimos o gás frio de maneira infinitamente devagar para reduzir o seu volume sem aumentar a temperatura (pondo-o em contato com um grande corpo frio na mesma temperatura), e então isolamos o cilindro e comprimimos o conteúdo até atingir o volume e temperatura iniciais.
Como toda máquina térmica, um motor de Carnot absorve calor de uma fonte quente de energia, e isso na prática é feito com a queima de algum combustível em uma câmara de combustão ou uma fornalha. Quanto mais calor a máquina consome, mais combustível precisamos fornecer (e mais caro se torna o processo). Parte desse calor se transforma em movimento útil: o gás se expande em duas etapas (primeiramente de maneira isotérmica, com temperatura constante, e depois de maneira adiabática, onde o cilindro está isolado), e esse movimento pode ser usado para acionar alguma outra máquina (como uma simples roda que faz o carro andar); só não podemos esquecer que precisamos “pagar” parte desse trabalho de volta nas etapas de compressão. A diferença entre o calor fornecido e o trabalho líquido obtido é o calor que é rejeitado para a fonte fria. Chamamos de eficiência térmica a percentagem de quanto obtemos de trabalho útil, relativo ao quanto fornecemos de calor.
O Teorema de Carnot, consequência da Segunda Lei da Termodinâmica, estabelece que, dados dois limites de temperatura quente e fria, o ciclo de Carnot é o ciclo mais eficiente possível, entre todos os ciclos que se encaixem entre essas temperaturas.
Isso é um fato, e eu não discuto. O que me preocupa é ver os futuros engenheiros e engenheiras do Brasil analisar tudo que eu escrevi até agora e achar que o Ciclo de Carnot é o “melhor” ciclo e que então precisamos projetar todas as máquinas térmicas para seguirem o Ciclo de Carnot a todo custo.
Achar que o Ciclo de Carnot é o melhor ciclo esbarra naquilo que um grande professor meu chamava de Primeira Lei da Engenharia: depende. O Ciclo de Carnot é o ciclo mais eficiente – mas tudo que você quer é eficiência? Essa é a única métrica relevante?
O Ciclo de Carnot tem problemas e não é interessante como modelo de máquina térmica por três motivos:
1. O Ciclo de Carnot não consegue fornecer potência
Essa frase pode parecer absurda e mentirosa, e conseguir entendê-la é um grande passo para dominar engenharia de fato.
Quando descrevi o Ciclo de Carnot anteriormente, eu descrevi um ciclo. Começamos em um ponto e terminamos no mesmo ponto. Em seguida, completaríamos o mesmo ciclo, em seguida outro, e assim indefinidamente. Em cada ciclo, para cada unidade de calor, um motor de Carnot entrega a maior quantidade de trabalho possível.
Em Engenharia, precisamos ser práticos. E um detalhe prático que vejo poucas pessoas discutirem é: quanto tempo demora para completar um ciclo? Isso não é um detalhe meramente teórico: o motor do seu carro completa milhares de ciclos por minuto (os “RPM” que o tacômetro mostra), e é isso que permite o carro se movimentar e acionar todos os equipamentos veiculares. Um ciclo “perfeito” que demora um tempo infinito para completar não serve de nada – e é justamente isso que o Ciclo de Carnot faz. Reparem na descrição do início desse texto: para se expandir sem alterar a temperatura, o pistão se move infinitamente devagar, e portanto demora um tempo infinito – para completar apenas um processo.
O Ciclo de Carnot é um ciclo de potência nula porque entrega uma quantidade finita de trabalho em um tempo infinito [1]. Se você construísse um motor de carro de Carnot, você veria o pistão se movendo muito devagar. Para se mover de Florianópolis a Joinville, ele é muito econômico – mas o universo implodiu antes de isso acontecer.
2. O Ciclo de Carnot exige equipamentos ou processos impossíveis
A leitora pode estar tentada a achar que existe uma maneira de evitar o problema acima, que seria substituir o sistema pistão-cilindro por um sistema baseado em compressores e turbinas, que funcionam de maneira contínua. Se você alterar a rotação do compressor, em tese você consegue acelerar o escoamento do fluido e abreviar o tempo de completar um ciclo. As etapas de transferência de calor isotérmicas agora vão acontecer em trocadores de calor, como condensadores e caldeiras de usinas termelétricas; só que, para evitar a diferença de temperaturas entre as fontes e o fluido, o trocador precisa ter uma área infinita, que além de ter um custo infinito, continuam a requerer um tempo infinito para o fluido escoar pelos seus tubos. A potência continua a ser nula.
Vamos por um momento ignorar isso e assumir que a temperatura só precisa ficar constante, podendo ser diferente da temperatura da fonte quente; assim, não precisamos de uma área infinita. Essa constância pode ser alcançada com processos de mudança de fase (evaporação e condensação), que são comumente empregados em usinas termelétricas. Considere um Ciclo de Carnot e um Ciclo de Rankine (o ciclo das usinas termelétricas) simples, ambos delimitados pelos mesmos limites de temperatura:
Ciclo Rankine: 1-2-B-3-4-A-1; Ciclo de Carnot: A-B-3-4-A
Graficamente, pode-se ver que o Ciclo de Rankine tem uma área maior (o trecho 1-2-B-A-1), e portanto consegue mais potência. Vamos estimar que o Ciclo de Carnot entrega metade da potência do Ciclo de Rankine – a questão é que ele precisa de menos da metade do calor, sendo portanto mais eficiente.
A leitora astuta deve ter percebido que há um jeito de fazer o Ciclo de Carnot ser mais potente:
Ciclo Rankine: 1-2-C-3-4-1; Ciclo de Carnot: 1-2-B-C-3-4-1.
O problema é o processo B-C: precisamos transferir calor para a água, que escoa continuamente, enquanto a sua pressão abaixa – e não podemos deixar a temperatura mudar. Isso não pode ser feito com a tecnologia atual. Um ciclo ideal que não pode ser implementado não tem valia alguma em Engenharia.
3. O Ciclo de Carnot requer uma variação de volume absurda
Vamos voltar ao sistema pistão cilindro. O Ciclo de Carnot em um sistema fechado segue o ciclo 1-2-3-4-1 mostrado abaixo:
O problema desse ciclo é que, lembremos, temos duas variações de volume. A variação de 1 para 2 geralmente é controlada, mas a de 2 para 3 explode. Eu fiz algumas contas: se durante o processo 1-2 o volume dobra, durante 2-3 o volume aumenta em cerca de 30 vezes – o que dá um aumento total de cerca de 60 vezes. Em comparação, motores Diesel muito grandes têm uma variação de volume de cerca de 20.
O que podemos aprender com o Ciclo de Carnot
Talvez não tenha ficado claro, mas eu não tenho nada contra o Ciclo de Carnot. Ele é um modelo teórico interessante, e sempre começo asminhasdisciplinas falando dele. Em particular, o seu estudo nos leva a focar em perdas. Se o ciclo de Carnot é maximamente eficiente porque a transferência de calor é isotérmica, o fato de termos que aquecer a água fria até se tornar um vapor quente para movimentar uma turbina é um preço que temos de pagar para poder criar um ciclo factível. Se a etapa seguinte precisa ser adiabática para ser eficiente, então cada perda de calor na turbina – ou na tubulação que leva vapor à turbina – é uma perda de potência.
Aprender a identificar esses detalhes relevantes nos faz melhores engenheiros.
O que podemos aprender com esse post sobre o Ciclo de Carnot
Na minha tenra adolescência, eu fiz um curso de fotografia, e o instrutor fez a revelação de que, para fazer fotos melhores, nós precisamos pensar.
Repetir roboticamente que o Ciclo de Carnot é um ciclo ideal nos impede de ver esses detalhes que são importantes. Focar na eficiência nos previne de pensar sobre potência e utilidade dos motores. Conhecimento superficial não conta.
No seu campo, que tipo de conhecimento automático o leitor anda assumindo que pode ser re-avaliado para melhorar a qualidade do seu trabalho?
Referências
[1]: Curzon, F. L; Ahlborn, B. Efficiency of a Carnot Engine at Maximum Power Output. American Journal of Physics 43, 22 (1975). doi: 10.1119/1.10023
Este é parte de uma série de posts onde mostro meus planos para meu quarto semestre como professor de Engenharia Mecânica. Sugestões nos comentários são bem vindas!
Na disciplina de Refrigeração: estudamos basicamente geladeiras e condicionadores de ar: quais fluidos são usados, que componentes existem, como funciona um sistema, como melhorar.
É basicamente o inverso da disciplina de Máquinas Térmicas: lá, aquecemos algo e ganhamos potência; aqui, damos potência para resfriar algo. Inclusive, os estudantes cursam as duas disciplinas no mesmo período, e acho que deve ser interessante para eles compararem os dois tipos de sistemas em paralelo. Se ter o mesmo professor nas duas disciplinas é uma boa ideia é um problema ainda em aberto na literatura.
O que tem dado certo em Refrigeração
Uma pequena história: quando eu fui contratado no meu emprego atual, eu tinha certeza de que daria aulas de Refrigeração (a prova escrita era praticamente só sobre isso). Decepcionei-me momentaneamente quando, no decorrer do processo de admissão e entrega de documentos, descobri que não seria o caso – apenas para algumas semanas depois, saber que havia um erro e sim, eu seria professor de Refrigeração. Sinceramente, parecia um sonho: dar aulas do meu assunto de estudo em toda a minha vida profissional.
Empolgado com isso, acho que foi a disciplina melhor preparada no meu primeiro semestre. No semestre seguinte, sinto confessar que deixei a preparação meio de lado e me dedicava o mínimo necessário, para dar tempo de arrumar outras disciplinas que não haviam recebido muita atenção no primeiro semestre. No semestre seguinte a esse (meu terceiro semestre, se o leitor perdeu a conta), resolvi que era hora de me dedicar mais a esse assunto. Maneira totalmente não científica de verificar o resultado desse esforço: recebi muitos convites para orientar TCCs (que infelizmente não posso aceitar na minha posição de professor substituto), todos de alunos de Refrigeração.
Esse é o principal sucesso da disciplina de Refrigeração: eu amo esse assunto, tenho uma certa experiência, e deixo transparecer isso nas aulas.
Também acho que fui feliz na escolha de avaliações: em cada semestre, passo um tema de seminários. No primeiro semestre os alunos descreveram em detalhes um sistema de refrigeração e mergulharam nos diferentes componentes; no semestre passado, falamos de tecnologias alternativas (que não usam compressor), e nesse exploramos diferentes fluidos refrigerantes.
Desafios atuais em aulas remotas de Refrigeração
Eu posso resumir o problema de Refrigeração dizendo que ela está boa do jeito que está, mas está desatualizada; está muito teórica, e pouco prática. Nós falamos de modelos de compressores, mas não exploramos catálogos reais. Resolvemos exercícios “à mão” (i.e. eu escrevo as equações e resultados comum Apple Pencil no meu iPad e projeto isso na vídeo-conferência) com os mesmos fluidos de sempre, que aparecem em textos de termodinâmica, mas que muitas vezes não são mais usados.
E todas essas informações estão disponíveis na internet! Com um pouco de esforço de preparação de aulas, é possível alterar entre uma apresentação de slides com teoria, um arquivo em PDF com um catálogo de algum componente, e uma simples planilha onde calculamos o desempenho de um sistema real usando dados desse catálogo.
Não há dúvidas para mim que as aulas presenciais fazem falta, mas acho que, com esforço, esse pode ser o curso mais propício a aulas remotos, com esse foco em usar tecnologia atual (mas acessível) para analisar sistemas atuais.
Três passos que pretendo implementar para melhorar a disciplina de Refrigeração
Explorar, junto com os alunos, catálogos reais de componentes e como podemos extrair dados importantes deles;
Apresentar técnicas mais modernas de simulação de sistemas;
Diversificar problemas e exercícios em aula com fluidos mais usados atualmente.
Este é parte de uma série de posts onde mostro meus planos para meu quarto semestre como professor de Engenharia Mecânica. Sugestões nos comentários são bem vindas!
Sim, eu dou aulas de uma disciplina (obrigatória) de Máquinas Térmicas, e de uma disciplina (optativa) de Máquinas Térmicas I. Sim, eu também me confundo. Sim, eu também acho que ela poderia ter outro nome.
Como o nome já indica, essa é uma disciplina de continuação de Máquinas Térmicas. Aqui focamos exclusivamente em motores de combustão interna, e temos três eixos de assuntos bastante relevantes atualmente: aumento de eficiência, controle de emissões e sobrealimentação de motores (popularmente conhecidos como “motores turbo”).
O que tem dado certo em Máquinas Térmicas I
De longe, essa disciplina é a que tem mais engajamento dos alunos, onde as aulas são mais interativas, onde os trabalhos apresentados têm a maior qualidade. Um fato é patente: os estudantes se interessam pelo assunto e querem saber mais. Nós focamos em duas tecnologias que têm sido bastante empregadas por fabricantes de carros: carros híbridos e carros turbo; sobre este último tópico, assim como adoro assistir os projetos de trocadores de calor, aqui também é ótimo ver como os grupos de futuros engenheiros e engenheiras coletarem dados de um motor existente e projetarem um sistema para aumentar a sua potência.
Nós não falamos de “assuntos clássicos” de livros-texto. O que nós estudamos está de fato acontecendo no mercado.
Desafios atuais em aulas remotas de Máquinas Térmicas I
Simplesmente, eu não sei tanto do assunto quanto os alunos gostariam que eu soubesse.
O antigo professor dessa disciplina era especialista no assunto. Para mim, todos os assuntos são novos, então eu ainda estou no modo “correndo atrás”. O que falei acima sobre “não estar nos livros” é uma desvantagem também: eu estou meio que escrevendo o livro-texto na forma das minhas notas (sim, eu sonho em montar uma apostila), a partir de fontes muito diversas (alguns tópicos estão em livros, outros em artigos, algumas coisas só aparecem em catálogos). Acho que, depois de 3 semestres ministrando essa disciplina, está na hora de parar e me re-atualizar e me aprofundar nesse pseudo livro-texto. Está faltando profundidade nessa disciplina.
Como essa é uma das minhas duas disciplinas optativas, em 2021-2 quero também experimentar um retorno gradual às aulas presenciais (autorizado pelo meu departamento). Minha ideia é dividir a disciplina em duas partes:
Nas primeiras semanas, focar nos cálculos termodinâmicos e simulações de maneira remota, mais ou menos seguindo o plano da disciplina obrigatória mas de maneira mais avançada;
Na segunda parte do semestre, os alunos devem projetar um sistema de sobrealimentação; aqui pode ser útil promover espaços de discussão ao vivo em sala de aula, e acompanhar mais de perto os projetos dos estudantes.
Por fim, há algumas aulas dedicadas a tópicos mais “discursivos”, como os métodos de medições de emissões e as legislações regulatórias. Como apresentar isso de maneira interessante?
Três passos que pretendo implementar para melhorar a disciplina de Máquinas Térmicas I
Atualizar-me (principalmente com artigos) dos desenvolvimentos mais recentes dos assuntos tratados, e levar esses ensinamentos para a turma;
Dedicar mais tempo para explorar catálogos de turbocompressores e analisá-los em sala de aula;
Aprofundar-me na teoria, para trazer análises com mais profundidade.
Este é parte de uma série de posts onde mostro meus planos para meu quarto semestre como professor de Engenharia Mecânica. Sugestões nos comentários são bem vindas!
Para os não-engenheiros: uma máquina térmica é um dispositivo que converte calor (de maneira geral, a queima de alguma coisa) em trabalho (de maneira geral, o giro de alguma coisa).
Existe uma corrente de pensamento que diz que essa disciplina deve focar em motores de carros – de fato, as máquinas térmicas mais populares. Porém, existem outras máquinas térmicas relevantes: usinas termelétricas (abordadadas em mais profundidade no curso de Geração de Energia I) e turbinas de aviões são outros exemplos canônicos. Na minha maneira de ministrar essa disciplina, eu faço questão de passar por todos os tipos e salientar diferenças e semelhanças.
O que tem dado certo em Máquinas Térmicas
No nosso curso, dividimos essa disciplina em aulas teóricas e práticas. Nas aulas práticas não há dúvidas: são aulas sobre o funcionamento e componentes de motores de combustão interna, até por uma questão de infraestrutura: nós temos uma oficina com vários exemplares de motores e peças, mas não temos turbinas.
Eu ministrei apenas a parte prática desse curso durante o ano de 2020, e, no primeiro semestre de 2021, assumi também a parte teórica. Assim, ainda estou me adaptando.
A cadeira (alguém ainda fala isso?) de Máquinas Térmicas é uma disciplina obrigatória de 8a fase, e existe uma disciplina de continuação optativa, sobre a qual vou falar em outro texto. Mas vou dizer isso desde já: neste outro curso, na primeira aula eu geralmente pergunto aos estudantes por que eles escolheram essa disciplina eletiva (sempre na esperança de que alguém vai dizer algo diferente de “para conseguir créditos e me formar”), e uma resposta comum tem sido “porque eu gostava das aulas práticas da disciplina obrigatória”. Claramente, algo tem dado certo!
Acho que o primeiro ponto a se observar no sucesso é devido ao puro esforço. Na linha do que já falei antes: eu não dou ênfase em motores automotivos porque eu não sei quase nada sobre o assunto. A minha área de pesquisa sempre foi a Refrigeração, eu tive de estudar muito sobre o assunto.
Existe o conceito de memória de trabalho de longo prazo [1]: um meio termo entre a memória de curto prazo (de acesso rápido, mas que não perdura, como ir para a cozinha preparar o almoço, e de noite não lembrar do que almocei), e a memória de longo prazo (meu endereço, minha data de nascimento – coisas que ficam gravadas mas que não são de acesso imediato).
A disciplina de Máquinas Térmicas é um exemplo perfeito de como essa memória funciona: em aulas eu respondo perguntas que eu jamais saberia responder há 2 anos, e consigo responder de maneira rápida. Eu estudei tanto que os assuntos ficaram nessa área do meu cérebro facilmente acessada. Porém, assim que eu parar de ministrar essa disciplina (se isso acontecer), provavelmente vou esquecer tudo.
Acho que consegui passar bem para a forma remota as aulas práticas. Em vez de ir num laboratório ver motores, eu tento passar o máximo possível de animações, fotos e vídeos de equipamentos. Não é a mesma coisa que ver “ao vivo”, mas por outro lado temos oportunidades de ver experimentos que não teríamos condições de fazer na nossa oficina. Portanto, isso tem sido bom.
Quanto às aulas teóricas, o primeiro semestre onde ministrei essas aulas ainda nem terminou, por isso ainda não tenho muito feedback. Mas acho que conseguimos cobrir todos os tópicos num ritmo decente.
Desafios atuais em aulas remotas de Máquinas Térmicas
Há um problema semelhante a Transferência de Calor e Massa I: como resolver exercícios de maneira mais dinâmica – e, principalmente, mais inteligente. Essa é uma disciplina na verdade da última fase de “conteúdo” do curso – após isso, os alunos e alunas geralmente saem para estágio e escrevem o seu TCC. Existen questões básicas desse assunto que nunca morrem: como desenvolver Máquinas Térmicas mais eficientes e mais potentes? É esse o desafio: como preparar engenheiros do futuro para atacar isso. Nós provavelmente vamos ver na próxima década uma ascenção de biocombustíveis, que são menos potentes que combustíveis fósseis; estamos prontos para contornar essa diferença?
Naturalmente há ajustes nas aulas teóricas quanto à distribuição dos conteúdos. Apesar da minha firmeza em não dedicar a disciplina inteira a automóveis, a verdade é que esse assunto ocupa muito tempo e acaba faltando para outros assuntos.
À medida que escrevo essas palavras, percebo que, entre todos os meus cursos, esse é onde há a maior possibilidade de professor e estudantes construírem juntos a disciplina. Um problema logístico na análise aprofundada de máquinas térmicas é a simulação computacional de fluidos, que exige programas dedicados a que estudantes de graduação não tem acesso ou oportunidade de explorar. Mas eu tenho acesso a esses programas, posso gerar resultados, e mostrar para todos: e aí, o que esses dados querem dizer?
Similarmente nas aulas práticas, está na hora de fazer os alunos mergulharem nos equipamentos como eu mergulhei – e agora eu posso guiá-los melhor.
Três passos que pretendo implementar para melhorar a disciplina de Máquinas Térmicas
Criar programas junto com os alunos de simulação de máquinas térmicas e propôr diferentes análises a serem feitas quanto a tópicos relevantes: eficiência, potência, consumo de combustível;
Guiar alunos na busca de dados experimentais sobre cada subsistema de motores automobilísticos;
Dedicar mais aulas síncronas e atividades assíncronas à análise da combustão, super importante para cálculos de consumo e emissões, e que ficou bastante corrido nesse semestre.
Os leitores acham que são boas ideias?
Referências
[1]: Beaudoin, L. P. Cognitive Productivity: Using Knowledge to Become Profoundly Effective. [s.l]: publicação independente, 2016. Disponível em http://leanpub.com/cognitiveproductivity. Acesso em 04 de maio de 2021.
Este é parte de uma série de posts onde mostro meus planos para meu quarto semestre como professor de Engenharia Mecânica. Sugestões nos comentários são bem vindas!
Essa é a uma de duas disciplinas optativas que ministro, geralmente cursadas pelos estudantes que estão para se formar. Aqui estudamos usinas termelétricas e sistemas de geração de vapor.
O que tem dado certo em Geração de Energia I
Pouca coisa, sinceramente, e essa disciplina é a que mais precisa ser melhorada.
Um ponto positivo é que essa disciplina é uma oportunidade de integrar conhecimentos diversos de outras disciplinas. Em um semestre, nós:
Desenhamos um ciclo termodinâmico adequada para uma usina;
Calculamos quanto de ar e combustível é necessário para fazê-la funcionar;
Dimensionamos o tamanho dos trocadores de calor, das bombas, e da chaminé;
Escolhemos materiais e válvulas.
Certamente deve ajudar muito sair da faculdade tendo essa visão geral de um projeto desse porte (ainda que bastante simplificado).
Desafios atuais em aulas remotas de Geração de Energia I
Essa disciplina está muito pesada. Como falei acima, é bem legal poder integrar tudo em um curso só, mas os alunos (e o professor) ficam exaustos.
Aulas remotas são menos efetivas na transmissão de conhecimento, na minha percepção, e é preciso baixar um pouco a dificuldade. Nas aulas, devo tratar dos assuntos com mais calma, e explorar mais exemplos, ainda que seja necessário cortar alguns tópicos.
Aqui o problema é similar a Transferência de Calor e Massa I: preciso pensar sobre e introduzir maneiras computacionais de calcular propriedades de fluidos, para não ficar lendo tabelas na aula, e usar melhor ferramentas computacionais para resolver exercícios de projeto.
Em 2021-2, meu planejamento é quebrar disciplina em duas partes: uma etapa de aulas remotas, focada nos cálculos termodinâmicos e de combustão (que deve ser mais fácil pelos alunos já terem experiência de outras disciplinas), e uma presencial introduzindo o dimensionamento e seleção de equipamentos, consideravelmente mais complexa em que discussões ao vivo devem ajuda bastante.
Três passos que pretendo implementar para melhorar a disciplina de Geração de Energia I
Utilizar ferramentas computacionais, incluindo Aprendizado de Máquina, para tornar a análise de problemas de projeto e cálculo mais dinâmica;
Rebalancear a dificuldade das avaliações, e promover mais listas de exercícios de treinos;
Eliminar alguns conteúdos para ter mais tempo de discutir os projetos.