Vivemos num mundo intolerante. Nós, brancos, de classe média,
heterossexuais, odiamos aqueles que são diferentes por perturbarem o
nosso mundo. Odiamos os gays por “tentarem destruir a família
brasileira”, os religiosos por “enganarem a população”, os ateus por
“pregarem o mal”, os pobres por “sugarem os nossos impostos com o
Bolsa-Família”, os ricos por “explorarem a classe trabalhista”, os
negros por… não sei por quê, mas tem gente que ainda os odeia.
É um mundo de ódio e de hipocrisia. E parece que estamos piorando.
Mas nada se compara à situação de pessoas com necessidades especiais.
São pessoas que nasceram com alguma diferença genética, ou que sofreram
algum tipo de acidente. Na maior parte das vezes, não é culpa deles, e
ainda assim os odiamos. Reclamamos do excesso de vagas reservada para
eles no shopping. Tiramos sarro da menina que usa a linguagem de sinais
nas propagandas oficiais. Sentimos vontade de enganar o cego. Reclamamos
quando o ônibus demora muito tempo para que algum cadeirante possa
subir. Chamamos alguém de autista como xingamento.
E sentimos pena quando algum amigo tem um filho com necessidades
especiais.
Eu nunca tive nenhuma experiência desse tipo, nem com pessoas próximas
de mim, então não consigo nem imaginar o que é ter de lidar com isso. É
um desafio duplo: você tem de lidar com a situação em si e com a reação
das pessoas a ela. Da cara de pena, da cara de nojo disfarçada, da cara
de “ainda bem que não foi comigo”.
Quando alguém passa por isso e opta por compartilhar coisas boas, só
podemos sentir alívio. Alívio de que ainda existam pessoas assim.
Num mundo tão intolerante, é iluminador ler algo como o Nossa Vida com
Alice.
Eu cheguei a esses blogs (o que eu indiquei e o que vocês estão lendo
agora) por causa da avó da Alice. A Soninha, além de ser provavelmente a
melhor professora de literatura do Brasil, foi a pessoa que mais elogiou
e incentivou a minha escrita. Constante e continuamente. Chegou um ponto
em que eu queria escrever apenas para mostrar para ela (e ela
provavelmente não sabe disso).
Sem o elogio de alguém que estuda os melhores livros por profissão,
talvez FabioFortkamp.com não tivesse nascido.
Não tenho medo de dizer: foi um choque descobrir que a neta dela (e
claro que ela falava das filhas nas aulas) nasceu com Síndrome de Down.
Quem não se espantou?
Aos poucos, porém, acompanhamos a luta. Sejamos realistas: ter um filho
com Síndrome de Down é difícil. Logo a Carol (a mãe da Alice, e filha da
Soninha) resolveu começar a compartilhar suas experiências. Ler aquele
blog me dá um senso de realidade, um senso de tamanho dos meus
problemas, um senso de alegria.
Não é querer se mostrar. É querer enfrentar o preconceito. É muito fácil
dizer que lutamos sem fazermos algo de fato. E ela faz. A escrita dela
clarifica, sem borboletas voando e arco-íris permanente. Ela escreve
sobre o desfio diário, o acompanhamento médico, a rejeição das escolas,
as alegrias de ser mãe, as risadas do bebê, os choros da mãe.
Você deveria acompanhar. No mínimo, para ter menos preconceito.
Boa sorte, Carol.