Categorias
Artigos

Por que tenho o meu próprio endereço de email

Eu tenho 26 anos. Sou (do fim) da década de 80, do ano da nossa constituição, antes da queda da União Soviética.

Sou também de uma das últimas gerações que nasceram antes da internet e dos computadores onipresentes. Tenho muitos primos mais novos e eles não vivenciaram muitas experiências interessantes. Lembro muito bem do dia em que meu pai chegou em casa com uma novidade, um telefone que mostrava o número de quem estava ligando, e eu achava que aquilo só poderia ser mágica. O primeiro computador que tivemos em casa não entrava no Windows automaticamente; era preciso digitar C:\win na linha de comando. O Windows 95 foi outra mágica.

Meu contato com a internet é mais recente ainda, totalizando alguns poucos anos no total. Mesmo assim, já vi tecnologias, programas e sites irem e virem. Eu usava muito um buscador chamado Cadê?, que sumiu. Usei o Yahoo, que depois perdeu relevância para o Google. Também tive contato com algumas redes sociais; ouvi muito falar do MySpace, embora não tenha chegado a usar. Depois, veio o Orkut, com comunidades e depoimentos. Depois todo mundo migrou para o Facebook, que já está decaindo (só não vê quem não quer), com sua propaganda excessiva. O Twitter para mim é muito mais interessante mas está sumindo também.

Meu primeiro email era do nosso antigo provedor de internet (que acho que nem existe mais). Depois tive um no Hotmail (na época em que ele era extremamente popular), e outro no Gmail (o “email que todo mundo tem” de agora). O Uol foi bastante popular por um tempo também.

Da mesma maneira que eu já vi serviços subirem e descerem, não existe nada que garanta que os de agora não vão sumir. Há alguns anos, todo mundo achava que o MSN duraria para sempre. Por isso, não podemos nos deixar enganar: o grande serviço popular que você usa vai sumir, ou no mínimo ficar estagnado. Vai surgir outro serviço e você vai querer ser cool e migrar, junto com seus amigos (você já quis ir para o Facebook só porque estava todo mundo lá). E aí vai precisar de outro endereço de email.


Na minha resenha do livro Platform, escrevi:

Platform: Get noticed in a noisy world foi o livro que me motivou a lançar FabioFortkamp.com.

Não foi só na decisão de criar esse blog. Platform me fez pensar muito na minha presença online. Que imagem eu quero passar? E como organizar todas as minhas atividades?

Na base, tudo começa com o domínio. FabioFortkamp.com é o meu domínio, o meu endereço na internet. Se alguém quiser saber o que esse cara chamado Fábio Pinto Fortkamp pensa, ou o que ele faz, pode começar por esse site. Ou pode procurar por @fabiofortkamp no Twitter, ou por fabiofortkamp no Github, se você for nerd como eu. Como Marco Arment escreveu num texto muito inspirador para mim, você precisa tomar posse da sua identidade.

O fato do domínio ser meu nome é um mero detalhe. Qualquer que seja a marca (o tal branding), o importante é controlá-lo.

E é por isso que o meu email principal usa o meu domínio: fabio arroba fabiofortkamp ponto com. E é por isso que, em 2014, eu pago por um serviço de email.

Veja você, ter um domínio próprio custa US$ 13 — por ano. Como falei, esse domínio é meu. Se eu estiver insatisfeito com a empresa que administra esse domínio, ou se ela deixar de existir, posso trocar de empresa e levar esse endereço (como na portabilidade de telefones).

Para o serviço de email propriamente dito, eu uso o excelente Fastmail (link afiliado; se você assinar o serviço por esse link, eu vou ganhar uma pequena comissão, mas você não vai pagar nada a mais. Caso não se sinta confortável com isso, aqui vai um link padrão) — por sugestão do próprio Arment. Por US$ 40 anuais, eu tenho um serviço de email excelente, controlado pelo dinheiro dos usuários e não por publicidade. Isso me custa, já com o dólar alto e com IOF, cerca de R$ 9 por mês. Menos que um almoço a quilo, nessa economia de hoje. Essa pequena quantia, junto com o custo do domínio (que já é baixo e me permite ter outras coisas, como este blog), de certa forma me protege um pouco contra as oscilações da internet. Se o Fastmail acabar, como o domínio é meu, posso facilmente mudar de provedor de email, mantendo o mesmo endereço. Se é que email vai existir ainda, quem sabe meus netos vão poder mandar emails para mim por esse endereço.


Eu tenho outros problemas com o Gmail (uso-o como exemplo porque era o que eu usava e acredito que seja o mais popular). O meu lado engenheiro gosta de padrões, e o Gmail não é um serviço padronizado de email. Configurar um aplicativo de email qualquer, que não seja feito especialmente para o Gmail, é um trabalho monstruoso. No ano passado, problemas entre o Mail.app do OS X e o Gmail renderam discussões e mais discussões. Simplesmente, o Gmail não segue à risca o IMAP, o padrão dos emails. Tem muitas tecnologias inovadoras, como a busca fantástica, o sistema de tags, mas ainda assim não é padronizado. Ele praticamente força você a usar o site e os apps do Google.

A padronização também facilita a migração, no caso de problemas. Caso eu queira ou precise mudar de provedor de email, basta apontar o domínio para o novo serviço e sincronizar as pastas de caixa de entrada, arquivo e quaisquer outras.

Há também o lado da privacidade, mas isso sinceramente é um detalhe. Eu continuo achando assustador o Gmail me mostrar anúncios baseado no texto do email, mas enfim, é assim que as coisas são. Por outro lado, ao usar um serviço próprio de email, pagando por ele como você pagaria pelo Netflix ou Spotify, você se protege em pelo menos mais um local.


Como falei, eu uso o Fastmail, mas honestamente meu objetivo é fazer os leitores pensarem um pouco mais na importância de identidade digital e de quem sabe considerarem terem seu domínio (numa nota adicional, também pode ser divertido ver a cara das pessoas quando você diz o seu email com um endereço personalizado assim). Ainda estou apredendo a usar os recuros do Fastmail; por enquanto, posso dizer que a proteção de spam e os filtros diversos funcionam muito bem. O podcast Technical Difficulties fez uma excelente cobertura. Mas com certeza existem outros serviços excelentes.

E não custa repetir: para mim, o email está longe de morrer.

Categorias
Artigos

Ebooks

No último episódio do Posdemfio, Bia Kunze e Glauco Damas discutiram o mercado de ebooks. Como leitor assíduo (de livros físicos e alguns poucos eletrônicos) há muito tempo, gostaria de dar minha opinião sobre o assunto.

Antes, por favor, escute o episódio. Aproveite e assine o podcast de uma vez porque ele é ótimo.

Ferramentas

Um pouco de contexto primeiro. Eu não tenho nenhum leitor eletrônico dedicado. Penso em comprar um Kindle, mas é para depois. O dispositivo que uso para ler livros digitais é um iPad 2; nele tenho o app do Kindle, leio alguns livros no formato do iBooks e alguns PDFs. Assim, minha discussão se baseia nesse conjunto de ferramentas.

Fetiche

O primeiro ponto que muitas pessoas discutem é sobre o tal “fetiche” por livros de papel, o cheiro de livro novo, o toque das páginas. Isso não se aplica a mim; quanto à questão da sensação física de se ler um livro, não tenho nenhum interesse no aspecto de sentir o papel em minhas mãos; acho que a principal diferença para mim é o conforto de ler.

Eu gosto muito de ler na cama, e a iluminação do iPad, mesmo no nível de brilho mais baixo, incomoda bastante (e eu sempre tive problemas de sono). Porém, como falei, não tenho um e-reader, e dizem que as telas desses gadgets é muito melhor, mas custo a acreditar que seria tão confortável quanto o papel — no máximo, muito melhor que o iPad (embora a tela Retina faça diferença). Tive pouco contato com Kindles de outras pessoas, então não posso falar se a tal tela que “foi feita para ler” não causa absolutamente nenhum cansaço.

Outra coisa ainda impossível de se fazer num ebook é segurar uma página enquanto se olha outra, para recuperar um conceito ou uma figura. Mas isso pode ser detalhista da minha parte.

Formatação

O segundo grande ponto em relação a livros eletrônicos é quanto à formatação.

Os livros de programação que comprei no formato Kindle são praticamente inutilizáveis, com muitos códigos mal formatados, alinhamento que dificulta a leitura do código, além de figuras mal posicionadas. Livros de programação geralmente utilizam fontes diferentes para texto e para o código, tarefa que, creio, o formato Kindle (eu sei, o formato do arquivo tem outro nome, mas vou me referir como Kindle por simplicidade) não facilita. Para piorar, com muitas figuras, as diagramações ficam muito esquisitas.

Hoje acredito que, para livros técnicos, com elementos estáticos (já vou falar disso), o único formato aceitável é PDF.

Para livros que se constituem de muito texto, porém, os livros em Kindle e ePub que li são bons — permitem ajustar por exemplo o tamanho da fonte e a cor da página (para não ficar aquele branco brilhante). Alguns livros que resenhei depois de ler no app Kindle do iPad e ter ficado satisfeito com a leitura são Platform e The Information Diet.

Recursos

É aqui que os ebooks brilham.

Pegue um livro de David Sparks (como o ótimo Paperless, o maior autor de ebooks interativos do mundo, ou de Vladimir Campos com o ótimo Planejando Viagens no Evernote, a maior expoente do gênero aqui no Brasil.

(Aos dois: vocês são meus ídolos.)

Eles sabem aproveitar as vantagens que a mídia digital proporciona. Seus livros tem muitos vídeos, fotos que os leitores podem ampliar e visualizar de muitas formas, links para sites e outros aplicativos, e são extremamente bem formatados. Nesse caso, com esses elementos dinâmicos, têm uma clara vantagem sobre PDF (ver seção anterior).

E o que falar da habilidade de poder procurar quaisquer expressões em um livro eletrônico? É o único momento em que às vezes me dá raiva de usar um livro de papel (principalmente quando índice de assuntos é mal feito, para os livros mais técnicos).

Autopublicação

Por último, vamos falar do tema principal do podcast que mencionei, a autopublicação, onde os autores publicam seus livros sem necessidade de editora.

Sempre dei sorte com livros autopublicados. Além dos livros dos autores que mencionei na outra seção, posso citar os livros do Kourosh Dini sobre Omnifocus. Porém, sinceramente, eu tenho algumas reservas em relação à autopublicação. Ao contrário de alguns setores, que talvez só se aproveitam de um monopólio, eu considero as editoras grandes participantes no mercado de livros, que prestam um serviço muito bom aos leitores. Por exemplo, eu posso ter quase 100% de certeza que um livro da O’Reilly vai ser bom, porque passou pelo processo de edição, foi revisado, com a parte técnica muito bem analisada. A editora nesse caso não se atravessa no caso do autor, ela faz um pouco do trabalho com uma equipe especializada.

Coisa semelhante ocorre com livros de ficção. É claro que muitas pessoas podem ter a capacidade de escrever, dar para algumas pessoas revisarem, e publicar, e o livro vai ser ótimo. Mas acho que isso funciona melhor para autores experientes. Eu sempre sonho em escrever e publicar livros, mas não sei se teria coragem de autopublicar meu eventual primeiro romance.

Conclusões

Na minha opinião, ebooks têm um futuro bom, mas acho que vai demorar para eles serem uma “revolução”. Ainda estamos na fase de um mercado fragmentado, com leitores de uma empresa incompatíveis com as obras de outras lojas (e sem motivação para fazer um leitor universal). O preço também conta; o Kindle, o mais famoso (e que permite acessar o catálogo gigantesco da Amazon), é mais caro que o a maioria das pessoas gasta em livros por ano (mas não vamos entrar no mérito de se o brasileiro lê pouco ou não).

Esses detalhes tendem a ser menos relevante com o tempo; a competição tende as grandes lojas de livros a terem catálogo equivalente, com o adicional de diminuir o preço dos aparelhos. Como bônus, a qualidade tende a aumentar (tanto do hardware quanto do software) e muitas reclamações que eu fiz aqui tendem a desaparecer.

Ainda precisamos aproveitar mais o e do que o book. Eu faço muitas anotações enquanto leio; no app do Kindle ou do iBooks, mesmo para livros mais simples, ainda não sei um jeito fácil de exportar todas as minhas notas num único arquivo, coisa que muito me ajudaria para organizar minhas notas e formatar minhas resenhas.

Para os livros mais técnicos, quem sabe um dia vamos poder digitar um código em um livro de programação e vê-lo ser executado. Ou visualizar um gráfico quando alguma função matemática é mencionada em um livro de engenharia, talvez com a ajuda do Wolfram Alpha. Convém sonhar.

Categorias
Artigos

Quadros negros e bancadas

Uma alegria em meio a tantas tragédias

Nas últimas semanas, passamos por muitas tragédias, como a queda do avião em Santos, matando o candidato Eduardo Campos, e a morte de Robin Williams, para ficar apenas nas mais noticiadas. Estamos todos um pouco acostumados a ver isso nos jornais, mas parece que a intensidade aumentou recentemente.

Em meio a tanta tristeza, uma notícia excelente passou quase batida: o brasileiro Artur Ávila ganhou a Medalha Fields. A medalha é tão importante quanto o Nobel, sem os constantes escândalos políticos e com o detalhe de só premiar jovens (de até 40 anos), como incentivo para as pesquisas futuras. No seu livro Symmetry: A Mathematical Journey, Marcus du Sautoy reflete sobre o seu aniversário de 40 anos (tradução livre minha):

Eu não fico terrivelmente incomodado com aniversários, mas para um matemático 40 é significativo; não por causa de uma numerologia fantástica e esotérica, mas porque geralmente se acredita que aos 40 você já fez seu melhor trabalho. Matemática, diz-se, é um negócio para jovens.

Todos esperamos que Ávila faça ainda muitos bons trabalhos, mas antes dos 40 anos ele foi longe. Ganhou o maior prêmio que um pesquisador brasileiro já ganhou.

Esse prêmio vai mudar o Brasil?

É claro que não, e provavelmente nem vai haver um aumento significativo dos inscritos para o vestibular de Matemática. Não vamos ser ingênuos e acreditar que no ano que vem já vamos ganhar outros prêmios, quem sabe até um Nobel.

Mas podemos usar esse prêmio para um como um lembrete. Um lembrete de que é possível fazer carreira em ciência, mesmo no país dos apaixonados por trabalho em escritórios e fascinados por firmas reconhecidas. Um lembrete de que existem pessoas que não foram feitas para esse tipo de trabalho, mas sim para serem pesquisadores, viver na frente de quadros negros e bancadas de laboratório.

Vamos também usar esse prêmio para discutir o ensino da Matemática no Brasil. Como engenheiro e pesquisador, alguém que está em contato constante com a Matemática, nada fica mais distante da realidade que as tabuadas decoradas no Ensino Fundamental, ou dos professores de cursinho fazendo a turma repetir as músicas para decorar as fórmulas. Vamos ensinar essas crianças a pensar mais. Vamos estimular o pensamento abtrato e criativo que é a base da Matemática. Vamos explicar o significado dos teoremas, em vez de passar exercícios que envolvem apenas a aplicação mecânica de equações.

E vamos parar de chamar a Matemática de “inútil”. Por acaso a História é útil, ou as aulas de Artes são úteis? As escolas não são profissionalizantes, e as diferentes disciplinas ajudam a desenvolver diferentes habilidades. A Matemática é um ciência e uma linguagem por si só, um dos maiores feitos da mente humana. A Física de Newton reinou absoluta por séculos até que Einsten começou a questioná-la, mas o Teorema de Pitágoras será válido para sempre.

Mas Fábio, você poderia explicar qual o trabalho de Ávila?

Não, não posso. Mesmo sendo engenheiro, Mestre em Engenharia, candidato a doutor, eu não me arrisco a entender o trabalho dele. É uma matemática muito mais avançada que a minha compreensão permite. As reportagens geralmente fazem menção aos estudos dele sobre “sistemas dinâmicos”, o que para o engenheiro é um termo bastante genérico para designar qualquer coisa que varie no tempo. É claro que o trabalho dele é muito mais sofisticado que isso.

Ao Artur: parabéns, e obrigado por fazer de nós, pessoas que sonham em ser cientistas, mais esperançosos na nossa profissão.