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Escrevendo para o seu eu presente

No dia 1º de janeiro de 2013, eu comecei a manter um diário.

O ano de 2013 foi um ano de acontecimentos para mim. Publiquei o primeiro post deste blog; completei um quarto de século de vida; comecei a namorar a mulher que está comigo até hoje; conclui a contrução da bancada experimental para o meu mestrado, o maior projeto no qual já fiquei envolvido como engenheiro. Também foi o ano em qie comecei a manter uma lista de todos os livros que leio e filmes que vejo.

Hoje, um ano e três meses depois de ter começado a manter um diário, eu tenho 592 entradas. No começo, eu escrevia em inglês, para treino; depois, decidi que esse tipo de coisa é algo profundamente pessoal e queeu preciso me expressar na minha língua materna. Escrever algo em inglês é a maneira mais fácil de maximizar o número de pessoas que vão ler. Um diário, por outro lado, é pessoal e privado. O que está lá é para ser lido por você. Você pode até querer compartilhar algo, mas isso é algo posterior ao processo de criação.

Eu escrevo muitos tipos de texto. Desabafo nos momentos de raiva. Faço um simples registro do que fiz no dia para meu mestrado. Escrevo uma pequena resenha sobre algum filme que vi. Coloco alguma foto daquela manhã na praia com minha namorada. Registro alguma grande alegria que me ocorreu. Tento explicar para mim mesmo algum problema que tenho, em uma tentativa de achar uma solução (geralmente funciona). Escrever ali também tem sido uma excelente forma de simplesmente treinar a escrita.

Ainda assim, apesar de estar advogando o hábito de escrever num diário, eu não tenho o habito de ler minhas entradas. E isso sempre me incomodou. Quando se fala desse hábito, geralmente é para ajudar o seu “futuro eu”; supostamente, daqui a dez anos você vai ler seus registros e chorar de nostalgia. Vai mostrar para seus filhos. Afinal, para que registrar todos esses momentos, se não é para alguém ler depois?

Há algum tempo, numa noite, eu sentei e comecei a ler algumas entradas minhas do ano passado. Foi interessante, sem dúvida, mas é difícil eu compreender agora a importância de algo que aconteceu no ano passado. Da mesma maneira que não tenho paixão por olhar fotos antigas, ou de como não vejo graça em gravar um show para mostrar para outras pessoas.


Eu já comentei aqui sobre um artigo de John Dickerson chamado Note to Selfie. Meu trecho preferido desse texto é esse:

When you pause to write about something—even if it’s for Twitter or Facebook—you are engaging with it. Something within you is inspired and, at the very least, you’ve got to pick the words and context to convey meaning for your private recollection or, if you make it public, for the larger world

Só agora eu percebi o que isso tem a ver com meus hábitos de manter um diário.

Quando eu estava no segundo ano do Ensino Médio, o professor de Geografia nos instruiu a fazer anotações à medida que ele falava. Anotações sem organização nenhuma, apenas para registrar o que foi dito na aula. Antes da prova, ele sugeriu revisar essas anotações. Estudar apenas baseado no livro não é suficiente; é preciso digerir aquela informação.

O curioso é que muitas vezes eu nem precisava consultar minhas anotações. O simples ato de escrever me ajudou a absorver aquela informação. Quando eu estava anotando o que o professor falava, eu estava interagindo com aquela ideia, repetindo mentalmente para poder escrever, talvez mudando alguma palavra. E é isso o que Dickerson quer dizer, e é isso que faço com meus textos. Eu não escrevo para esquecer e depois revisar; eu escrevo para processar aquele momento, para ter uma ideia mais clara do que eu estou pensando — e isso tem como consequência que aquele fato fica gravado. Eu me lembro de muita coisa que escrevi, mesmo sem consultar.

Para manter um diário, eu uso o Day One (e já até escrevi uma resenha desse app), mas isso é um mero detalhe. Se eu tiver de ou quiser abandonar o programa, vou perder tudo aquilo que já escrevi (embora o app tenha opções de exportar o conteúdo); entretanto, isso não importa. E esse é o meu ponto: eu não tenho interesse em revisitar o passado. Eu não escrevo para o meu “eu futuro”, e sim para o meu “eu presente”.