Boa pergunta, pequeno padawan.
É trabalho?
Vamos começar com a visão mais controversa e a que os estudantes de
mestrado mais adoram, a de que “fazer mestrado” é trabalhar. Quando
estamos saindo de casa para ir à universidade, dizemos “estou indo
trabalhar”, por exemplo. E assumimos nosso pior humor quando alguém diz
o clássico “cansado de quê, se você não trabalha?”.
Não é de todo absurdo considerar o mestrado uma forma de emprego.
Algumas das minhas atividades do mestrado são:
- Contactar fornecedores, pedindo orçamentos de equipamentos
- Escrever relatórios
- Desenvolver programas de computador
- Prestar contas a órgãos competentes
- Projetar bancadas
- Monitorar testes
Se alguém viesse me dizer suas responsabilidades num emprego tal
seriam essas, eu acharia bem normal.
Mas se é trabalho, então:
- Por que não temos direiros trabalhistas básicos como férias e décimo
terceiro? - Por que, se no contrato de bolsa não é estipulado nenhum horário,
não podemos ter remuneração extra (ninguém pode, por exemplo,
receber a bolsa para “trabalhar” no mestrado durante o dia e ter um
emprego não relacionado à área de formação à noite – se tem salário,
não pode receber bolsa) - Por que não existe qualquer resquício de gerência de recursos
humanos nos grupos de pesquisa? - Por que alguns colegas se recusam a trabalhar e nada pode ser feito
a respeito disso? - Por que os órgãos de fomento deixam claro que estão fazendo um favor
em pagar a bolsa?
Ah, então é estudo!
Eu particularmente concordo com essa linha de pensamento. Para todos os
efeitos legais, eu estou desempregado. Tenho um diploma de engenheiro,
quero ter um outro diploma, então eu me dedico a desenvolver um projeto
de esquisa; o governo e as fundações, em troca, pagam-me uma bolsa
justamente para que eu não precise de um emprego. Somos completamente
isentos de imposto de renda e, em contrapartida, completamente isentos
de direitos.
Ah, também pagamos meia-entrada no cinema e no ônibus.
Mas, se fazer mestrado é estudar, então:
- Por que a maioria dos programas de educação do governo só contemplam
alunos de graduação? Pós-graduação não é educação? - Por que de vez em quando recebo emails dizendo “os alunos são
obrigados…” – o que é isso, é uma empresa? - Por que tem gente que fica fiscalizando meus horários? Eu tenho
prazos definidos pelo meu orientador, e tenho que cumprir as tarefas
entre eles, mas a maneira como eu distribuo meu tempo não é da conta
de ninguém. Se eu quiser voltar para casa um dia no meio da tarde,
eu deveria ter total liberdade, desde que eu entregue os resultados
no tempo certo. Se eu quiser tirar um dia para ir à praia, eu
deveria ter total liberdade, desde que eu entregue os resultados no
tempo certo.
Ninguém sabe o que é
Fazer mestrado tem as suas facilidades e os seus problemas, e não quero
fazer desse texto um desabado. Quero apenas chamar a atenção para essa
indefinição que angustia a minha cabeça e, acho, a de muitos colegas.
Percebi que pós-graduação é um tema olhado com muita desconfiança no
Brasil.
Não se trata de dinheiro, já que uma bolsa de mestrado é maior que o
salário de muitos amigos meus. Não se trata de respeito, já que
felizmente estou rodeado de pessoas que me apoiam. É uma questão de
escolha. Quando saem da faculdade, uns vão estudar para concursos,
outros vão procurar emprego, outros vão viajar e pensar na vida, e
outros vão continuar estudando. Vamos parar com essa diferenciação?