Um assunto que fervilhou no Facebook na semana passada foi a mulher que
reclamou que o Bolsa-Família não era suficiente para comprar uma calça
para a filha de 16 anos. Logo choveram comentários inflamados de meninas
que também queriam ganhar bolsa para poder comprar as calças, que isso
só prova que o Bolsa-Família é um desperdício do nosso dinheiro e que
nós estamos de babá dos mais pobres.
Primeiramente, vamos deixar de lado o assunto em si. A argumentação das
pessoas furiosas simplesmente não é válida. É muito fácil sair na rua
com uma câmera e entrevistar dezenas ou centenas ou milhares de pessoas.
De repente, uma delas diz que não acredita em Deus e você conclui que
todos os brasileiros são ateus. Você dizer que todos os beneficiários
são sugadores de dinheiro baseado no depoimento de uma mulher (ou de mil
indivíduos, que seja, o número total ainda vai ser bem maior) é bastante
generalista e perigoso. Isso sem contar o fato de que muitas das pessoas
que adoram fazer ativismo de Facebook não tem nenhum contato com alguém
que dependa do Bolsa-Família (eu não tenho, se querem saber, e por isso
eu tomo cuidado no que eu falo).
Outro tipo de comentário bastante assustador diz que o simples fato de
uma beneficiária do Bolsa-Família querer as calças é um absurdo, ou que
é absurdo o fato de existir uma calça a esse preço. Ora, isso é pura
ingenuidade. No nosso mercado, o vendedor coloca uma calça a 300 reais
não porque ela custou isso, mas porque ele acha que ela vale isso, e
acredita que um número suficiente de pessoas vai comprar a esse preço. E
as lojas que conseguem vender a esse preço também têm dinheiro fazer
propaganda, atingindo as revistas de adolescentes e os intervalos das
novelas. Em resumo: garotas de 16 anos, sejam elas da favela ou de
Jurerê Internacional, querem calças de 300 reais. Milhares de
brasileiros, adultos, gastam mais do que ganham e se endividam no cheque
especial ou no cartão de crédito; como esperar que uma pessoa de 16 anos
tenha mais consciência do valor do dinheiro? Essas meninas simplesmente
vêem a calça vestindo alguma famosa e querem ser como elas; elas não tem
capacidade de perceber que não cabe no orçamento, ou que esse preço é
alto, ou que a mãe precisa comprar comida antes
Para ser bem sincero, por um lado tenho minhas restrições ao
Bolsa-Família, e não fico confortável com a ideia do Estado subsidiando
as pessoas por muito tempo. Por outro, sou homem, branco, estudante de
escola particular, engenheiro, filho de engenheiros, neto de um médico e
um economista, em processo de ter título de mestre. No espectro da
sociedade brasileira, eu estou no lado oposto ao das pessoas que
precisam do Bolsa-Família; para mim, é muito fácil “ser contra o
Bolsa-Família”, ou ser contra as cotas, ou ser contra muitas coisas, já
que eu não preciso delas. O que eu sei, baseado na mais pura observação,
é que existem pessoas pobres, e existem pessoas extremamente pobres, que
precisam de uma vida decente. Elas precisam de um emprego; porém, se
basta apenas “ter vontade de trabalhar”, por que existem tantos
recém-formados em universidades federais sem emprego? Elas precisam de
educação, e os jovens precisam entrar na faculdade, e não adianta
esperar “até que a educação básica seja melhorada”. Vamos ser realistas:
um adolescente que concluiu o ensino médio numa escola pública, em
geral, não tem condições de passar nos nossos vestibulares, altamente
voltado a aqueles que sabem os macetes e as “decorebas” (levante a mão
quem aprendeu as fórmulas da Física com músicas de quinta categoria).
Ele está agora, aqui, sem condições de ter nível superior, e não pode
esperar até que o governo tenha boa vontade de melhorar o sistema
público de educação.
As cotas são a solução? O Bolsa-Família é a solução? Sinceramente, não
sei, e confesso que não tenho a disposição de estudar alternativas (para
isso existem cientistas sociais, ouviram, engenheiros?). É claro que
esses programas sociais precisam de melhorias. Especificamente, o
governo poderia ter uma política mais eficaz de dar emprego para os
beneficiários do Bolsa-Família (já que eles não conseguem achar por
conta própria), e de evitar que as pessoas dependam a vida inteira do
governo. Ao mesmo tempo, embora o vídeo não mostre que todos os
beneficiários estão gastando mal os recursos, mostra que existem
alguns que provavelmente estão ganhando mais do que deveriam, o que
exige um controle mais rigoroso. Isso é um tipo de discussão prática,
e não os comentários raivosos que usualmente se vêem por aí.