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Listas de livros

Livros lidos, Verão 2021-2022

  • O Cavaleiro da Morte (Crônicas Saxônicas #2), Bernard Corwnell – não sei se era essa a intenção do autor, mas eu desprezo o protagonista briguento, mulherengo, mau pai; só acho fascinante o ambiente dos conflitos entre os britânicos nativos da Grã-Bretanha e Irlanda, os saxões que vieram depois deles, e os dinamarqueses que vieram depois destes. Recomendado para os fãs de ficção histórica.
  • SPQR, Mary Beard – um excelente tratado geral sobre a história de Roma Antiga, propondo-se a derrubar clichês. A influência dos Romanos sobre nós é maior do que se pensa: os candidatos precisavam doa votos dos eleitores , mas havia manipulação de eleição aos montes; gente que ia em bares era mal-vista; e as mulheres não tinham voz política alguma. Foi uma excelente leitura para parar de pensar em termodinâmica.
  • Harry Potter e a Pedra Filosofal: apesar das polêmicas envolvendo a autora, resolvi aproveita uma promoção da Magalu, comprei um box dos livros e reli. É fantástico, mas mais infantil que eu lembrava. Apenas aproveite o entretenimento.
  • Mostre seu trabalho! – do meu ídolo, Austin Kleon (de quem aliás eu roubei essa ideia de postar essas listas). Em vez de pensar em conflitos do tipo “doutorado não rende nada, hoje em dia a criançada quer estar no TikTok”, por que não pensar em usar as redes sociais como ferramenta profissional? A cada trabalho sério que você faz, selecionar algo que você pode compartilhar para ajudar os outros. Aprender em público. Além deste blog, siga-me no Instagram e no LinkedIn para ver como tenho tentado documentar e compartilhar mais coisas sobre meu trabalho.
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Praticando a procrastinação produtiva

Hoje de manhã, eu postei duas versões da minha lista de tarefas: uma que eu deveria fazer e que está de acordo com meu foco para a semana e para o planejamento semanal, e uma que eu gostaria de fazer:

Eu já falei aqui do meu eterno conflito entre foco e exploração e como tenho “perdido tempo” fazendo algo produtivo. Acontece que isso é algo trabalhado pelo meu ídolo Austin Kleon em Roube como um Artista: a procrastinação produtiva: você deixa de trabalhar na sua lista de tarefas não para ver vídeos do YouTube, mas para trabalhar no que você realmente quer trabalhar, seguindo a sua intuição.

No fim das contas, eu segui a lista da direita na foto acima. Em vez de montar cronogramas no Excel, eu fui estudar um dos livros mais complexos e maravilhosos da Engenharia, o Advanced Engineering Thermodynamics do Bejan – e apanhei um pouco, mas terminei a tarde com mais ideias de aulas e com maior entendimento desse assunto fundamental. Também fui levar meu filho no médico, e, em vez de voltar para casa e trabalhar em algo útil como estudar um outro livro que quero usar nas minhas aulas, levei-o no parquinho e fiquei ruminando ideias sobre um livro-texto que eu quero escrever.

Novamente: eu deveria ter montado cronogramas no Excel?

Antes de terminar a semana amanhã, dá de fazer algo divertido e ao mesmo tempo útil?

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Minha jornada em aprender R (ou: o conflito entre foco e exploração)

Eu me sinto em um conflito intelectual enorme entre dois aspectos de trabalho, simbolizados por duas grandes influências minhas: Cal Newport (foco e prioridade é tudo que importa) e Austin Kleon (como deve se expor ao máximo de influências e roubar delas para fazer a sua arte).

Exceto que este conflito não existe. Cal Newport lê no mínimo 5 livros por mês, sobre assuntos variados, e Austin Kleon fala da importância de desligar suas notificações e ter uma boa estação de trabalho onde se concentrar. O trabalho consiste em ciclos de se aprofundar e explorar.

O que me leva a um objetivo vago na minha vida profissional, que é aprender a linguagem de programação R, uma ferramenta bastante focada em estatística e ciência de dados.

Eu não consigo me lembrar como comecei a me interessar por isso, mas se fosse apostar, diria que foi quando Dr. Drang linkou algum post de Kieran Healy, um professor de Sociologia da Duke University que posta sobre como criar gráficos muito interessantes e ricos usando R . Isso deve fazer uns 5 anos, por volta de 2017.

Em 2019, quando comecei a utilizar bastante os conceitos de ciência de dados e quis aprender mais, comprei os livros da foto acima, mas nunca mergulhei de fato.

Nesse ano de 2022, decidi que era de mergulhar nisso. Mas aí está o problema: como vou priorizar isso dentro do meu problema de foco? Eu não preciso estudar R, e não vou ter proveito imediato.

Porém , foi numa tarde onde tirei uns 90 minutos para começar a ler o livro R for Data Science que me deparei com um exemplo do livro sobre dados experimentais de motores – uma biblioteca de R tem uma tabela já pronta. Por que essa minha empolgação? Porque eu ministro duas disciplinas sobre motores, e já consigo pensar em muitas maneiras de explorar esses dados na sala de aula. Sem essa perda de tempo brincando de estudar, eu talvez nunca teria chegado nesse exemplo.

Brincando com RStudio

Brincando em mais algumas sessões de trabalho, o resultado é saber produzir um gráfico como esse:

Aqui nós temos dados de alguns motores catalogados pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA entre 1999 e 2008. Há uma tendência geral de queda da eficiência: motores maiores consomem mais combustível. Mas! Há outros fatores em jogo: a linha de tendência mais inferior mostra apenas veículos de tração nas 4 rodas, que são consistentemente menos eficientes que veículos de tração em 2 rodas (o leitor sabia disso?). Analisando por classes, vemos que na faixa de cilindradas maiores há exemplos de carros que são mais eficientes que outros: 2seaters, ou carros esportivos de 2 lugares. Esse veículos usam motores potentes, mas consomem menos que um SUV de mesmo tamanho, porque são mais leves, com menos perdas no sistema de transmissão; eu acredito também que o sistema de exaustão desses veículos esportivos faça diferença, com conversores catalíticos de parede metálica, mais fina, que têm menos perdas de potências (à custa de mais emissões).

Essa discussão de um parágrafo acima é muito útil para ser levada para a sala de aula. Eu perdi tempo estudando R?

Agora estou nessa situação; tirando algumas sessões de trabalho a cada mês para avançar na leitura desses livros, encaixando no meu planejamento semanal. Tenho sonhado em finalmente escrever apostilas de notas de aulas usando bookdown, de maneira que o código para resolver exercícios seja parte do texto, e divulgar essas notas de aula para o Brasil todo. O ecossistema de R põe muita ênfase na publicação e compartilhamento de dados – algo que não vejo em Python, por exemplo, daí o meu interesse em uma ferramenta nova (já que tenho usado Python para meus projetos científicos há mais de 1o anos).

Como a leitora faz para balancear entre o foco e a exploração? O leitor consegue achar tempo no meio da semana para simplesmente explorar algum assunto e “ver no que vai dar”?

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Como ter mais foco nos objetivos?

Eu vou desabafar com meus leitores: estou com dificuldades em manter o foco nos meus objetivos.

Estamos no começo do mês de Março. Aqui estão minhas três metas para esse mês:

  1. Finalizar os estudos para um concurso para professor que deve ser feito nesse ano
  2. Submeter para um journal um artigo que estou finalizando com meu orientador de doutorado
  3. Preparar uma apresentação para um workshop no final do mês

Em março estamos em recesso de aulas, o que diminui a carga de trabalho; estou apenas monitorando a realização de provas de recuperação, e vou ter de corrigi-las após a entrega. O novo semestre começa na última semana do mês. Então tenho uma janela de algumas poucas semanas para realmente focar nos objetivos acima.

Por que não consigo focar? Porque, quando começo a fazer alguma atividade, meu cérebro quer ir para algo relacionado e mais fácil, mas não tão importante. Por exemplo, ao estudar um assunto, fico pensando em como compartilhar isso de alguma maneira, como posso gerar gráficos, implementar computacionalmente etc – e iludo-me ao pensar que isso vai tomar pouco tempo. Ao mesmo tempo, eu estou muito empolgado em mostrar meu trabalho, e não quero perder isso. Tenho que contabilizar tempos de estudos maiores (lembrando que pensar em um post ou alguma outra forma de compartilhar meus estudos não é perda de tempo; qualquer maneira de pensar sobre como deixar um tema mais didático é preparação para concursos de professor).

Por isso, tento ser mais diligente ao seguir os conselhos do Cal Newport e colocar os meus objetivos no calendário da semana:

Assim, eu tento criar espaço para as tarefas necessárias, para exercício, atividades familiares, e espaço para o que eu quero fazer, como estudar alguns livros e escrever sobre eles.

O que os leitores pensam? Têm alguma estratégia específica para focar mais em objetivos? Quero muito ouvir!

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Engenheiros deveriam ter mais aulas de matemática, e não menos

Hoje eu sou Professor de Engenharia Mecânica, mas eu lembro de uma época em que eu fui aluno; e desde aquele época, uma das coisas que mais me irrita ouvir é variações do tema:

A Engenharia de hoje é toda computadorizada; devemos eliminar as aulas de Cálculo e Álgebra Linear no currículo, que são inúteis, para dar lugar a disciplinas mais avançadas!

Alguém que geralmente foi mal em Cálculo

Não me leve a mal: Cálculo e Álgebra Linear não são disciplinas fáceis ou agradáveis, e tenho colegas que de fato foram mal nestas aulas e hoje são engenheiros e engenheiras de respeito. Mas isso não serve de evidência para o argumento acima.

A Engenharia é resolver problemas práticos da sociedade com baixo custo e baixo impacto ambiental. Considere o objetivo de movimentar cargas e pessoas em automóveis motorizados: um problema prático é reduzir as emissões de poluentes de monóxido de carbono e hidrocarbonetos, compostos tóxicos. O que acontece é um balanço de efeitos: quanto menos ar, mais compostos se formam pela combustão incompleta – mas ao mesmo tempo, se há ar demais e combustível de menos, o ar vai absorver energia da combustão, abaixar a temperatura e também vai ocasionar combustão incompleta. Quando se tem um fenômeno que resulta de uma soma de efeitos, esse problema pode ser modelado por equações diferenciais. Saber resolver esse tipo de equação não é um item em uma lista de exercícios; é uma questão de estimar, e então tentar reduzir, as emissões de gases tóxicos.

Em A Mind at Play, Jimmy Soni e Rob Goodman falam dos primórdios da computação, que era à base de computadores mecânicos, analógicos, e não digitais. E o que esses diferentes computadores faziam era resolver diferentes classes de equações diferenciais. Algo que aprendi com o livro, por exemplo, era que Lord Kelvin, famoso pela sua escala de temperatura, também trabalhou no final do século XIX em um analisador harmônico, que conseguia prever, com muita precisão, o movimento das marés em um dos portos britânicos, a partir de dados passados. Deixe-me ser claro: você usava um lápis conectado na máquina para desenhar um gráfico das marés em um mês, girava manualmente algumas engrenagens, e o aparelho desenhava (após algumas horas) um outro gráfico prevendo as marés no mês seguinte – e geralmente acertava. Isto é, literalmente, aprendizado de máquina.

Essa playlist sensacional explica um outro tipo de analisador harmônico:

Agora imagine Lord Kelvin, um dos pioneiros da computação analógica, se queixando de ter de estudar cálculo.

Eu sei o que o leitor vai dizer em seguida: “mas eu não estou interessado em construir uma máquina ou desenvolver um software, só quero fazer simulações em um programa já pronto”!

Eu fiz muito disso em meu doutorado. Simulei o campo magnético de ímãs, usando um programa pronto (que, adivinhe, resolvia equações diferenciais), e comecei a notar alguns resultados estranhos. Quando você faz uma simulação computacional, você começa com uma malha (um conjunto de pontos) bem grosseira e, à medida que você vai adicionando pontos, a simulação vai ficando melhor, até uma hora que adicionar mais e mais pontos não muda o resultado final e só toma mais tempo de computação; isso é o sinal de que a malha está fina o suficiente. No meu caso: eu notei que, nos cantos dos ímãs, quanto mais e mais pontos eu adiciona, pior ficava o resultado, sem nunca estabilizar. O que está acontecendo?

Foi só quando eu parei para analisar as equações diferenciais, e estudar a teoria por trás do programa, foi que eu aprendi que isso era esperado, e o programa de fato não conseguiria simular os cantos.

Outro exemplo do meu doutorado, dessa vez simulando o escoamento de água em um trocador de calor. O programa me forneceu uma planilha de resultados, com os dados de velocidade em cada seção do trocador; ele simplesmente resolveu as equações diferenciais adequadas. Mas quando parei para analisar os resultados, notei algo estranho: a massa não se conservava. O trocador tinha uma entrada e uma saída, mas eu, sem muito conhecimento do programa que estava utilizando, digitei de forma errada os parâmetros; era como se a equação diferencial tivesse uma segunda saída de água, que estava sumindo dos cálculos. Novamente, foi quando parei para analisar as equações diferenciais, que vi o problema.

Esses exemplos não são abstratos. O ímã e o trocador de calor foram fabricados e instalados em um sistema real, custando dinheiro de verdade para fazer isso – e foi o exame minucioso da teoria, por parte dos meus colegas e de mim, que preveniu grandes erros de engenharia.

Assim, deixe-me dar um conselho: quanto mais Cálculo a leitora souber, melhor engenheira vai ser. Tudo bem, eu concordo que você não vai resolver equações diferenciais à mão como fazia nas aulas, e um computador (agora, digital) vai fazer isso para você. Mas é o conhecimento implícito, que se imprimiu no seu subconsciente, que vai lhe permitir analisar dados e detectar erros e oportunidades de melhoria.

Eu estou falando de Engenharia porque é o que eu conheço, mas posso facilmente imaginar a importância de médicos conhecerem bem biologia, ou psicólogas mergulharem fundo na filosofia.

Calouros e calouras: não menosprezem as fases iniciais. Vai valer a pena depois. Você sonha em trabalhar com Aprendizado de Máquina? Pergunte a alguém que trabalha na área o quanto de Álgebra Linear é necessário – e depois comente aqui.