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Resenha: Adeus, aposentadoria

Não deve ser novidade por aqui que um grande interesse meu é o assunto de finanças pessoais. Eu e você, leitor, provavelmente temos profissões, mas ambos precisamos de dinheiro para coisas necessárias e também para as desejáveis. Mesmo que você odeie Matemática e pule a seção de economia do jornal, ainda assim você tem de lidar com dinheiro no dia; se isso for algo que você entende e que domina, há de ser mais fácil. Por isso, acho que pelo menos um mínimo de estudo de finanças pessoais é fundamental para todos.

Fiquei sabendo de Adeus, aposentadoria (Sextante, 2014) através de um texto da Thais Godinho, e logo ele me chamou a atenção. Nos últimos meses, quando resolvi fazer uma grande revisão do assunto de finanças para atualizar minhas práticas — que continuavam as mesmas desde a primeira vez que li A Árvore do Dinheiro, em 2011 — sabia que queria incluí-lo na minha lista de leitura. O título e a promessa de dar adeus à noção de aposentadoria como a conhecemos é intrigante e tentador, mas ao mesmo parece desnecessário se você é o brasileiro médio que quer apenas passar em algum concurso público e não se preocupar com mais nada (ao menos financeiramente) para o resto da vida.

A premissa básica do livro em questão é que esta e outras soluções tradicionais de aposentadoria têm tudo para não funcionar quando os trabalhadores de hoje se aposentadorem. Vamos pensar na solução de “passar em um concurso público, trabalhar com estabilidade e se aposentar com salário integral” que é a tradução do sonho brasileiro. Pense nos servidores públicos que você conhece que estão aposentados. Sim, os mais velhos aproveitaram um regime de ouro, e hoje vivem confortavelmente; porém, se você tiver um contexto social parecido com o meu, vai perceber que as pessoas de uma geração seguinte, que estão entrando agora na idade permitida para aposentadoria, já enfrentam situação diferente. Com as mudanças de regras, o salário desses servidores são engordados por benefícios que não vão entrar no cálculo de aposentadoria. Os jovens que estão ingressando nessa carreira hoje vão encontrar condições piores ainda, já que o déficit só tende a aumentar. Aposentar-se no serviço público pode ser mais fácil que na carreira privada, mas não é tranquilo.

Qual a alternativa, então, para o caminho de ouro da aposentadoria? Cerbasi elenca muitas opções, e mostra o defeito de todas. Previdência privada? As taxas de administração vão comer parte do rendimento. Investimentos tradicionais em ações ou fundos? A inflação vai comer grande parte do rendimento. Viver de renda de aluguel? Boa sorte passando a sua velhice lidando com inquilinos. O fato é o seguinte: por questões de saúde, todos vamos precisar parar de trabalhar (entendido no livro como trocar o seu tempo por um salário), mas ninguém quer perder renda. Quando você ficar cansado de trabalhar, não vai aceitar ganhar menos (um fato inescapável de como humanos funcionam). Você vai querer descansar, e ter renda para continuar a viver com conforto, e ter essa renda até morrer.

Na minha leitura analítica do livro, consegui identificar cinco argumentos principais.

  1. A solução proposta por Cerbasi para conseguir parar de trabalhar para os outros mas não parar de ganhar dinheiro é o empreendedorismo. Enquanto você é assalariado, na prática é muito difícil guardar e investir dinheiro suficiente para que, quando você pare de trabalhar, você consiga a partir desse momento viver apenas dos rendimentos dessa massa crítica (um conceito fundamental de outro livro do autor, Dinheiro: os segredos de quem tem). Outras soluções de aposentadoria envolvem a sua dependência em fatores externos. Por outro lado, se você ao longo da vida contrói um verdadeiro projeto empreendedor, terá o potencial de algo que gere valor (um termo que eu achei apropriado para encapsular essa ideia do autor) para você.
  2. Mesmo com o empreendedorismo, parar de trabalhar repentinamente e a partir daí viver do seu “negócio próprio” não é viável. Cerbasi prega que devemos desenvolver nossa vida profissional de maneira gradual. Começamos sem dinheiro nem experiência, e a melhor coisa a fazer é achar um bom emprego. À medida que vamos crescendo na carreira, idealmente vamos atingir um ponto em que nossa saída representa uma grande perda para a empresa, e não precisamos trabalhar tão arduamente; a partir desse ponto, devemos dedicar menos horas ao trabalho e mais horas a um projeto paralelo. É só quando este estiver sólido que você deve se dedicar integralmente a ele. Finalmente, você terá dinheiro e experiência, pelo que deve deixar o negócio ir sendo gerenciado por outros e investir as suas finanças de maneira mais séria (e aproveitando o tempo disponível mais abundante). Também incluindo nesse conceito é a diminuição do ritmo; sim, pode demorar até que você consiga se dedicar somente ao seu negócio para que ele lhe sustente, e mais ainda para que você pare de se envolver com ele, então é preciso adotar ao longo da vida um ritmo de trabalho mais humano, que lhe dê eneria para trabalhar até mais tarde na vida.
  3. O risco do empreendedorismo pode ser atenuado com camadas de segurança (também outro termo meu). Baseado no item anterior, você constrói o seu projeto ao longo de muitos anos, ao mesmo tempo em que acumula reservas financeiras. Se você não tem pressa, não precisa tomar decisões muito arriscadas. Cerbasi prega, por exemplo, que você deve contribuir para o INSS como pelo menos uma primeira camada, e que deve ter sempre disponível investimentos de baixo risco de onde você possa tirar dinheiro em emergências.
  4. O sucesso do empreendedorismo está na diferenciação. Empresas existem de monte, mas muitas são simplesmente medíocres. Novamente, baseado na ideia de fazer as coisas gradualmente, você deve usar o seu tempo enquanto mero empregado para fazer networking, conhcer o mercado, aprender muito. Nessas horas, é preciso ter um pé no chão e evitar “correr atrás da sua paixão”; explore algo que você aprecie mas dentro da sua área. Porque você tem tempo para se aprimorar, pode lançar o seu negócio com um diferencial.
  5. A fase de início de carreira (20 aos 30 anos) é onde você deveria estar trabalhando desenfreadamente, poupando muito e aprendendo mais ainda. Uma ideia que não está no livro mas que eu tiro de experiência própria é pessoas nessa faixa ainda não se esqueceram de como é ser estudante; essa é a fase, portanto, em que você consegue viver com pouco ao mesmo tempo em que tem possibilidade de ganhar muito, e é em que oportunidades boas podem aparecer em qualquer lugar. Tudo isso deveria servir de incentivo para os meus amigos pararem de querer praticar loucuras como comprar um apartamento nessa idade. Um adendo: esse quinto argumento foi o que mais me fez pensar e é o que está me fazendo escrever esse texto de noite, buscando desenvolver minha carreira de escritor, enquanto que antes de ler Adeus, aposentadoria eu apenas diria “estou cansado” e iria assistir qualquer coisa na Netflix.

Essas cinco ideias não são revolucionárias, mas ter contato com elas provoca uma pequena e saudável reflexão. Dito isso, tenho alguns problemas com este que considero o livro mais fraco de Cerbasi. Por exemplo, o autor começa o livro com uma discussão desnecessária sobre a justiça do capitalismo. O autor não demostra ter embasamento filosófico para tanto e propõe uma argumentação fraca. Cerbasi diz que, se todos tiverem condições iguais, o capitalismo será idealmente justo e portanto todos têm a chance de ser empreendedores. Primeiro, imaginar que em alguma sociedade capitalista típica “todos tem condições iguais” é uma hipótese bastante questionável; e segundo, o quarto argumento acima se baseia de certa forma no competição e em você ter mais sucesso que outras pessoas. Sim, eu concordo que é possível praticar o capitalismo almejando ser o mais ético possível, e que é possível praticar a concorrência em um mercado de maneira limpa, mas essa discussão inicial não acrescenta nada à tese do livro.

Outro problema do livro é que faltam exemplos práticos. Com exceção de um ou outro relato, Cerbasi não mostra nenhum caso de sucesso de alguém que teve o negócio próprio com sucesso e hoje vive apenas dos rendimentos dele. Para um campo bastante empírico como o das finanças pessoais, fica difícil ignorar essa lacuna nessa obra.

Por esses motivos, tenho dificuldades em recomendar Adeus, aposentadoria sem ressalvas e concordar com tudo que o autor diz. Por outro lado, a leitura é curta (e Cerbasi escreve muito bem) e um ponto em que definitivamente concordo com ele é que deveríamos seguir uma abordagem contínua de desenvolvimento pessoal e profissional. Assim, sugiro que você leia esse livro não como algo que vai mudar sua vida, mas como algo que faz parte de um processo contínuo de educação financeira e que reforça a necessidade de pensar no futuro. Você talvez não concorde que ter um negócio próprio é a melhor saída para parar de trabalhar, e você naturalmente tem o direito de não concordar; mas já pensou em alguma saída? Se acha que o concurso público é a saída, você está totalmente por dentro das regras de aposentadoria e de como elas mudaram. Se acha que a previcêndia privada vai ser suficiente, já fez as contas, descontando taxas, Imposto de Renda e inflação? Assim, mais importante que as ideias do livro, para mim, é ele sugerir que pessoas já no começo da carreira pensem nisso, e que pessoas de idades diferentes devem tomar atitudes muito diferentes em relação a dinheiro e carreira (e o roteiro que ele traça para cada década de vida é um dos pontos altos da obra).

Minha recomendação final? É melhor ler do que não ler. Não é o melhor livro de finanças pessoais, mas você não vai perder nada se dedicar um tempo a ele. Cerbasi entra em mais detalhes do que eu tratei aqui (principalmente destacando os problemas das soluções tradicionais de aposentadoria) e, como falei, faz você pensar um pouco no futuro.

Uma última nota final: não que seja do interesse do leitor, mas eu estudei a língua alemã por muitos anos e ainda hoje procuro regularmente ler notícias nesse idioma. Se por um acaso o leitor desafia todas as probabilidades e também sabe ler em alemão, aqui está um pequeno texto com que me deparei hoje, falando das prováveis dificuldades que os aposentados na Alemanha vão enfrentar no futuro.