Um aviso: esse texto contém discussões sobre doenças mentais e morte. Alguns leitores podem querer evitar lê-lo.
Há alguns dias, eu perdi um amigo querido. Em respeito à sua memória e à privacidade da família, eu não vou divulgar o seu nome nem o que aconteceu (pois eu ainda não sei os detalhes), mas vou dizer isso: os inimigos dentro da cabeça dele eram muito fortes e ele escolheu encerrar essa batalha – e a própria vida.
Foram dois anos de convivência diária, com muitas discussões sobre trabalho, futuro, livros, filmes, séries, músicas, relacionamentos. Almoçávamos juntos praticamente todo dia de trabalho. Resolvemos problemas científicos juntos. Viajamos juntos. Apoiamo-nos em concursos e entrevistas de emprego. E agora isso nunca mais vai acontecer.
O que também nunca mais vai acontecer são nossas conversas sobre saúde mental. E eu nunca mais vou poder encorajá-lo, nem pedir desculpas pelas vezes em que o critiquei demais.
Lembro de uma vez em que eu estava discutindo a Fé católica com algumas pessoas que partilham dessa mesma fé. Falávamos de como Jesus veio para os pobres e esquecidos desse mundo, e de como o que nos faz cristãos é imitar Cristo em ter uma opção preferencial pelos pobres.
Essas pessoas, da alta sociedade catarinense, usaram o pior adjetivo que eles poderiam usar (na cabeça deles): esse comportamento é muito petista, muito assistencialista em ajudar quem não necessariamente merece ser ajudado. Há pessoas – assim eles argumentaram – que, se ajudadas, nunca vão aprender a se ajudar, nunca vão conseguir sair da pobreza por conta própria. E quem disse que elas não se empobreceram pelos seus próprios erros? Elas merecem ser pobres ao mesmo em que não merecem ajuda. Isso aconteceu um pouco depois da eleição de Você Sabe Quem.
Se repeti muitas vezes o verbo merecer no parágrafo anterior, é porque ele é o termo chave. O que aprendemos nas Oficinas de Oração e Vida é que merecimento não existe. As igrejas estão cheias de gente que reza e reza e continua desgraçada na vida, ao mesmo tempo em que é fácil encontrar gente genuinamente feliz longe dali. Deus ajuda não quem merece, mas quem Ele quer. Ele tem Seus critérios que nós nunca vamos conhecer.
Se Ele, o “justo Juiz” (2 Tm 4,8), age assim, quem sou eu, um pobre pecador, para determinar quem merece ser ajudado?
O meu amigo tinha um comportamento, para usar um termo que ouvi desde o Evento, “auto-destrutivo” – o que é verdade. Porém, isso não deveria ser critério de ajuda, encorajamento ou amizade. Mais uma vez: Jesus viveu no meio de prostitutas, doentes, cobradores de impostos (os inimigos públicos da época) e só lhes deu amor.
Eu sempre soube dos seus problemas de ansiedade e depressão, e fiquei tranquilo quando soube que ele estava se tratando. Ele me confessou coisas pessoais que o atormentavam, e aos poucos eu fui relacionando esse passado com o seu comportamento. Depois que perdemos o contato diário por mudanças de emprego, mantivemos contato mas falávamos mais de família e de trabalho, e nunca consegui captar o que estava acontecendo na sua mente.
Infelizmente, eu tenho de confessar que foram várias as vezes em que eu ri de como ele era muitas vezes marginalizado por essa auto-destruição, critiquei os seus hábitos, reclamei que ele não procurava ajuda. E agora, eu nunca vou poder saber se isso contribui, se isso se acumulou na sua cabeça, até acontecer o que aconteceu.
Vamos todos combinar o seguinte: da próxima vez que você perceber um ser humano fazendo algo de que você não gosta, não critique, não julgue. Pense que ele pode ter seus motivos. Ajude. Com algumas palavras positivas, você pode, literalmente, salvar uma vida.