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João Pedro

João

Ontem, 27 de dezembro, foi dia de São João, Apóstolo e Evangelista. A minha Bíblia (Edição Pastoral) apresenta o Evangelho de Jesus Cristo segundo João como “diferente dos três primeiros”. A começar por abrir o seu livro com um poema:

No começo a Palavra já existia:

a Palavra estava voltada para Deus,

a Palavra era Deus.

No começo ela estava voltada para Deus.

Tudo foi feito por meio dela,

e, de tudo o que existe,

nada foi feito sem ela.

Nela estava a vida,

e a vida era a luz dos homens.

Essa luz brilha nas trevas,

e as trevas não conseguiram apagá-la.

Jo 1, 1-5

A vida era a luz dos homens. Eu já falei aqui sobre minha luta contra a depressão, e a oração foi uma arma muito poderosa, a luz que brilha nas trevas. Inúmeras noites me sentei nessa mesma escrivaninha onde escrevo estas palavras, derramando-me em lágrimas e pedindo o consolo da Palavra. E Ela nunca falhou, especialmente quando mergulhava nos escritos de João.

É impossível ler muitas páginas do Evanhelho e das Cartas de João sem se deparar com inúmeros mensagens sobre o Amor. Em contraponta às inúmeras regras do Antigo Testamento, João mostra como a mensagem de Jesus é simples: “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15, 12). Mas como amar? “Não existe amor maior que dar a vida pelos amigos” (Jo 15, 13). Depois, na sua Primeira Carta, João nos chama a toda hora de “filhinhos” e outros vocativos carinhosos: “Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus” (1 Jo 4, 7). João me ensinou, portanto, que a minha Fé, o que me faz Cristão, é que eu creio no Amor; não precisamos nos castigar uns aos outros, pois o Amor salva: “E o amor consiste no seguinte: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou, e nos enviou o seu Filho como vítima expiatória por nossos pecados” (1 Jo 4, 10).

Muitos outros fundamentos e lições da Fé estão ilustrados no Quarto Evangelho. Quando eu me pego indagando se a oração é uma perda de tempo, eu lembro d’Ele falando à samaritana: “Quem bebe desta água vai ter sede de novo. Mas aquele que beber a água que eu vou dar, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe darei, vai se tornar dentro dele uma fonte de água que jorra para a vida eterna.” (Jo 4, 13-14). Quando eu, envergonhadamente, penso se um doutor como eu deveria gastar tempo trocando a bombona d’água do meu laboratório, eu lembro d’Ele: “Pois bem: eu, que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés; por isso vocês devem lavar os pés uns dos outros.” (Jo 13, 14). E se fico pensando se devo orar para o Pai ou para o Filho, percebo que isto não faz diferença: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14, 9).

O próprio Jesus percebeu que João era especial, a ponto de lhe confiar Sua Mãe depois que Ele morresse (Jo 19, 26-27). João era assim: puro Amor e Cuidado.

Outro João

São João da Cruz foi um frade, poeta e místico espanhol. Para quem está envolvido com as Oficinas de Oração e Vida, é impossível não entrar em contato com a sua obra, dado que Frei Ignácio Larrañaga, nosso fundador, era seu grande admirador. João da Cruz compreendeu e então capturou como é a verdadeira oração:

Descobre Tua presença,

e mantém Tua vista e formosura,

olha que a doença de amor não se cura,

senão com a Presença e a Figura.

São João da Cruz, citado por Frei Ignácio na Mensagem da Oitava Sessão dos TOV Adulto

Orar é estar na Presença da Figura, e é só esta presença que preenche a Alma sedenta de Amor, a “fonte de água viva” como São João Evangelista colocou.

Eu entrei nas Oficinas em 2016, e elas foram essenciais em me ajudar a lidar com o luto da morte de minha avó. Desde então, tornei-me eu mesmo um Guia, e para o mim o maior benefício pragmático do nosso programa é ajudar as pessoas a lidarem com as loucuras do dia a dia. É saindo do celular e entrando em nós mesmos que conseguimos nos esvaziar dos problemas, e então conseguir consolo com Jesus. E não é preciso muito para se isolar do mundo e se encontrar com Deus, segundo São João da Cruz:

A noite sossegada,

a música calada,

a solidão sonora,

e a ceia que recreia e enamora.

São João da Cruz, citado por Frei Ignácio na Mensagem da Oitava Sessão dos TOV Adulto

Relendo o meu diário neste ano de 2019, percebi que os meus momentos de felicidade foram assim: simples e leves como uma noite sossegada.

Pedro

São Pedro foi tema constante das minhas sessões de terapia em 2019. Uma das minhas maiores aflições é o medo de errar, e o maior aprendizado desse ano foi superar os padrões rígidos de perfeição impostos pela minha profissão e minha família. E o que mais me chama atenção em Pedro é, surpreendemente, o quanto ele errou.

Mesmo tendo o Filho de Deus diante de si, ordenando que ele caminhasse sobre as águas, Pedro sentiu medo e começou a afundar, recebendo uma reprimenta de Jesus (Mt 14, 28-31). Desesperado quando Jesus estava para morrer, Pedro atacou seus inimigos, contrariando a mensagem de Paz e Entrega de Jesus (Jo 18, 10-11), e ainda por cima negou ser seu discípulo – três vezes (Jo 18, 17.25-27). Ele próprio sabia das suas falhas; quando Jesus fez encherem as redes de pesca antes vazias, Pedro se horroriza: “Senhor, afasta-te mim, porque eu sou um pecador!” (Lc 5, 8).

Mesmo assim, Pedro foi o líder escolhido por Jesus para a Sua Igreja. Um simples pescador, alguém que poderíamos encontrar na gente simples de Florianópolis, foi convidado a ser pescador de homens (Mt 4, 19), e recebeu d’Ele as chaves do Reino dos Céus (Mt 16, 15-19). Pedro não nasceu perfeito; errou, aprendeu, fortaleceu-se, e guiou os seguidores de Jesus após a Ressureição (At 2).

João Pedro

Desde que eu e minha esposa começamos a falar seriamente em ter um filho, eu estabeleci para mim mesmo, e ela depois concordou, que a nossa primeira criança teria um nome inspirado em alguma figura bíblica. Eu não consigo lembrar muito bem de quando e como aconteceu, mas em algum momento o nome João Pedro, uma combinação dos dois Apóstolos, entrou em minha mente e ali se fixou.

No dia 14 de dezembro de 2019, dia de São João da Cruz, nasceu o nosso João Pedro. Alguém que eu espero que una as características dessas figuras que citei neste texto: que seja amoroso, carinhoso, cuidadoso com sua família, capaz de se recolher e meditar, como os Joões deste texto; mas ao mesmo tempo forte, ciente dos seus erros e capaz de superá-los, como Pedro.

O ano de 2019 foi, para mim, esperá-lo. E ele chegou, presente de Natal antecipado de Jesus, o mesmo Jesus que seduziu a João, a Pedro, a João da Cruz – e a mim e à minha esposa. Que venha 2020, com o privilégio de ver um ser humano crescendo.

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Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

3 respostas em “João Pedro”

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