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Não sabem nada?

George Bernard Shaw (1856-1950) ajudou a fundar a London School of
Economics e é a única pessoa a ter ganho um Nobel de Literatura e um
Oscar.

Shaw foi um dramaturgo respeitado, e escreveu também ensaios, romances,
contos. Eu já tive a oportunidade de ir a Dublin, sua terra natal, e vi
que ele é um monumento nacional irlandês.

E ele também disse a famosa frase, na peça Man and Superman:

Quem sabe faz, quem não sabe ensina.

Ora, isso é completamente ridículo.

Primeiramente, o que é “fazer”?

Shaw apresentou essa ideia em uma peça de teatro, e portanto não pôde
desenvolver o argumento. Mas seu sentido não é difícil de interpretar.
Ele mesmo foi um escritor prolífico, que passou a vida efetivamente
“criando”. Alguém que se dedique a “ensinar a criar”, na sua visão,
estava aproveitando mal o seu talento, ou, pior, não tinha talento
suficiente.

Já muito ouvi essa frase, quando ficou claro para meus amigos e
familiares que eu estava indo para o meio acadêmico. Meu lugar, o lugar
de um engenheiro, é na indústria, ganhando muito dinheiro, trabalhando
nos fins de semana (porque é isso que os homens de verdade fazem),
torcendo para que seja promovido e não precise lidar com essas coisas
chatas como equações, simulações e gráficos.

Posso estar sendo generalista demais, mas já virou um clichê dizer que a
universidade não prepara para o mercado de trabalho, que as pessoas saem
de lá sem saber nada, e pior, que todos os professores são doutores e
nenhum nunca chegou a trabalhar de verdade.

Meu amigo, a universidade não é uma escola profissionalizante. Isso é
tarefa das escolhas técnicas, dos Institutos Federais. Universidade é um
lugar de Ensino Superior. Ela não me ensinou a ser engenheiro,
ensinou-me Engenharia. A universidade não lhe dá um cargo de arquiteto,
mas um título de Arquiteto.

A universidade não lhe forma juiz, advogado, ou promotor; dá-lhe um
título de bacharel em Direito.

Basta o nobre leitor pensar nos concursos públicos que fez ultimamente;
quantos exigiam uma formação específica ou quantos apenas exigiam “curso
superior”? E quantas pessoas você conhecem que estão trabalhando em
áreas completamente distintas daquela em que se formaram?

Seja você formado em Odontologia, Design ou Ciências Sociais, você
passou por uma série de tarefas que lhe deram o título. Escreveu talvez
uma dúzia de trabalhos (portanto sabe se expressar de maneira
minimamente decente), participou de eventos, desenvolveu um trabalho de
pesquisa, criou uma tese, um trabalho artístico, ou um projeto
científico. E é esse conhecimento teórico que é muito mais importante na
sua vida intelectual que quaisquer habilidades técnicas que você deveria
ter aprendido.

Essas tais habilidades, naturalmente, precisam ser aprendidas. Meu ponto
é que o lugar para isso não é na sala de aula. Temos estágios, visitas
técnicas, parceria universidade-empresa, projetos de consultoria. Tudo
que os alunos podem fazer, complementando a formação. Naturalmente,
existe muita deficiência e muito espaço para aproveitamento. Um
engenheiro precisa conhecer uma fábrica, assim com um bacharel em
Direito precisa conhecer um tribunal e um médico precisa conhecer um
hospital.
Mas você acha que é melhor um médico ir dar uma aula sobre atendimento
de emergência ou você participar de um? Não faz diferença você ter aula
com algum engenheiro que já trabalhou em uma indústria, porque nada
substitui a experiência de você estar lá. Isso não pode ser aprendido
dentro da universidade.

Já que é papel da universidade dar uma formação teórica, nada melhor que
aprender com especialistas; na condição ideal, teóricos do ramo, gente
que está desenvolvendo a disciplina. Na minha faculdade eu não aprendi a
montar um carro, ou a perfurar um poço de petróleo, ou a projetar uma
nova máquina. Aprendi disciplinas de engenharia, que então podem ser
aplicadas a uma ocupação específica (um engenheiro, um bom engenheiro,
não constrói pontes, mas resolve o problema de atravessar o rio).
Aprendi termodinâmica com um professor que desenvolveu e orientou
trabalhos que, só nos últimos 6 anos, renderam dois prêmios
ABCM-EMBRAER de Melhor Dissertação de Mestrado em Engenharia Mecânica
e uma menção honrosa no Prêmio Capes de Tese. Aprendi metodologia de
projeto com membros do grupo de pesquisa que publicou o primeiro livro
em português sobre o assunto. Dois professores do Departamento de
Engenharia Mecânica da UFSC tiveram seus trabalhos testados no
espaço pelo astronauta brasileiro Marcos Pontes.

E você está tentando me dizer que essas pessoas não sabem nada?

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Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

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