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Por que ando de ônibus mesmo tendo um carro

As pessoas não acreditam, mas eu ando de ônibus. Sim, eu tenho um carro,
e sim, eu sei dirigir. What?

Existem tantas razões que eu não sei nem por onde começar. Por isso vou
do básico: eu não gosto de dirigir. Dirigir em um meio urbano é uma
atividade de risco, que exige dedicação total de minha parte por muito
tempo. Quando eu vou de carro da minha casa até a Universidade, isso
significa que tenho de passar meia hora com as mãos presas ao volante,
tendo de prestar atenção a tudo que acontece à minha volta, cuidando
para ver as motos (antes de me chamar de preconceituoso, observe que
motos são muito menores que os carros e passam por entre as filas, sendo
muito mais difíceis de enxergar), dando passagem para o SUV colado atrás
de mim, ficar puto com o imbecil que deu uma de esperto e saiu da
Beira-Mar furando fila lá na frente, e tendo que aguentar o engraçadinho
que me ultrapassa para ficar parado uma posição na frente quando eu ando
devagar em um sinal vermelho. E aí, quando eu finalmente chego na
Universidade, tenho de procurar vaga nos estacionamentos pessimamente
iluminados, onde as pessoas param de qualquer jeito (ocupando mais de
uma vaga, na maioria das vezes), e onde a poeira se instala sobre o
carro. Sério que você gosta de fazer isso?

Quando eu vou de ônibus, eu pego minha mochila, ponho um fone de ouvido,
ando 5 minutos da minha casa até o ponto, entro no ônibus, saio do
ônibus, e ando 2 minutos do ponto até o prédio onde fico o dia inteiro.
Durante o trajeto, eu leio, eu escrevo ideias para
FabioFortkamp.com, eu escuto música (podendo prestar atenção à
letra) e podcasts, eu encontro conhecidos (ou até desconhecidos; um
carro é um meio de se isolar por natureza). Atenção necessária: ver o
ônibus chegando.

Eu não vou negar, esse tipo de pensamento se instalou em mim no tempo
que passei na europa. Tive a sorte de morar em duas cidades (Porto e
Karlsruhe) que têm cobertura muito boa de transporte público (e lá isso
não é só sinônimo de ônibus). Nesses lugares, e em outras cidades que
visitei, é muito fácil se locomover. Os principais pontos se referenciam
pela estação mais próxima. Os horários das linhas são bem
documentados, você paga uma taxa mensal que não chega a ser barata mas
que permite você andar livremente (isto é, se você anda uma, duas ou
vinte vezes por dia o preço é o mesmo), o sistema é seguro (pelo menos
na minha experiência) e você pode ir realmente a qualquer lugar. Já
diria Steve Jobs, it just works.

É claro que a experiência de andar de ônibus em Florianópolis (não tenho
capacidade de comentar a experiência em outras cidades brasileiras) é
muito diferente da de andar de S-Bahn em Karlsruhe. O preço é alto, os
horários são imprevisíveis, os ônibus são antiquados, a rotatividade é
baixa (uma linha como a UFSC-Semidireto, que transporta alunos do centro
à Universidade, deveria sair a cada 5 minutos pelo menos), as greves
dominam, assaltos e ataques acontecem. Ainda assim, eu não concordo que
“andar de ônibus é uma merda”. O preço é alto, mas andar de carro é uma
atividade de luxo (você tem ideia de quanto se paga apenas para manter o
carro na garagem, entre impostos e seguros?), e o preço da gasolina está
muito alto de qualquer jeito. Os horários são imprevesíveis, mas com
planejamento é possível achar um intervalo mais ou menos confiável em
que os ônibus passam no ponto. De qualquer modo, como falei, andar de
carro não é uma experiência muito agradável, em comparação.

Algumas pessoas falam que por eu ser engenheiro mecânico eu deveria
idolatrar o carro. Realmente, o carro como um todo realmente é um feito
de engenharia. O processo de fabricação de todas as peças complexas, a
dinâmica veicular, a otimização aerodinâmica, a integração entre partes
mecânicas e eletrônicas, tudo isso são coisas admiráveis. Já o motor de
combustão interna, um dos símbolos da engenharia mecânica, também é um
símbolo do nosso fracasso como engenheiros e de como a Segunda Lei da
Termodinâmica faz pouco caso de nós. Um rendimento alto para motores a
combustão interna é de 30%. Pense no mundo em vivemos, de tantos
avanços; não parece absurdo que ainda não tenhamos inventado em jeito de
evitar jogar fora 70% do nosso dinheiro quando abastecemos? (Aos meus
colegas engenheiros que estão trabalhando nisso, precisamos de vocês
para reverter essa situação).

Um motor de ônibus não possui rendimento muito mais alto, mas se
levarmos em conta o número de passageiros transportados, o “rendimento
per capita” se torna muito maior.

Um último grande motivo para eu andar de ônibus no meu cotidiano é meu
senso de coletividade. Eu moro em sociedade, e tento melhorá-la. Virou
moda “nas elites” de Florianópolis falar que a mobilidade urbana está
mal, e que isso é um absurdo. O que é absurdo, para mim, é que essas
mesmas pessoas andam de carro, sozinhas, e em geral falam que as
ciclovias estão atrapalhando o trânsito. E quem se importa com o meio
ambiente, se vamos todos estar mortos quando a próxima geração tiver de
lidar com isso?.

A mobilidade urbana em Florianópolis realmente é péssima. Quando você
vai de carro sozinho para o trabalho ou para a faculdade, você não está
contribuindo em nada para isso. É mais fácil acreditar que você acha que
engarrafamento é lindo.

Eu não pretendo abandonar o carro. Nas situações certas, ele ajuda. Dar
carona aos amigos, andar de noite ou aos fins de semana, ir em lugares
onde a viagem de ônibus é muito longa. Mas no meu dia a dia, não existe
motivo para não colocar um carro a menos na rua.

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Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

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