Ontem, por acaso, descobri que estava passando na tevê um dos meus
filmes favoritos, Across The Universe. É daquelas ideias que eu
queria ter: um musical só com canções dos Beatles, com a história da
época dos Beatles (então espere muita droga e Vietnã). Os personagens
têm nomes famosos no cânone beatlelógico (Jude, Lucy, Prudence, …), e o
melhor de tudo é ver como as músicas realmente ajudam a contar uma
história absolutamente maravilhosa.
Eu já devo ter visto o filme 5 ou 6 vezes, e sempre noto alguma
referência nova. O que mais me chama a atenção, no entanto, é a maneira
como hoje escutamos e reverenciamos um grupo que, surpreendendo muito
gente, só ficou na ativa por onze anos. Let It Be, o último álbum, foi
lançado em 1970. Faz mais de 40 anos e eles ainda são os reis da música
atual. Bandas que estão se formando hoje escutam os Beatles, em busca de
inspiração. Existem grupos de fãs de Pink Floyd, Queen, Led Zeppelin,
U2, Guns N’Roses, mas são poucos os que não reconhecem uma canção dos
Beatles.
Cada vez que eu ouço uma música deles, seja na sua própria versão, seja
um cover, seja num show do Paul McCartney (sim, eu estou me gabando de,
aos 24 anos, ter ido a dois shows dele no Brasil), eu tento entender por
que eles fazem tanto sucesso. Porque eles são, realmente, muito bons.
Então aqui vai a minha lista dos motivos que, na minha opinião, fazem
os Beatles fazerem tanto sucesso. Enfatizo o lado pessoal porque optei
intencionalmente em não procurar nenhuma lista parecida, nem pesquisar
em livros e sites especializados. Também ignorei toda a parte de
marketing, de como eles eram tão profissionais do entretenimento que
montaram a própria gravadora, e cultivavam os mitos em torno da sua
imagem etc.
Quero saber porque as músicas são boas.
As músicas dos Beatles são fáceis de ouvir
Uma vez ouvi um professor de música dizer que as músicas simples fazem
sucesso porque as pessoas gostam de saber o que vem a seguir. Você
escuta um acorde e instintivamente sabe qual o próximo e como deve
cantar, porque a música tem poucos acordes e você já percebeu que eles
se repetem.
É por isso que todos cantamos Ai, Se Eu Te Pego e Tô Nem Aí, e que a
Bossa Nova e o Jazz, com seus acordes maiores com a quinta aumentada e
inversões harmônicas não são e nunca serão um sucesso comercial (o que
não quer dizer que esses estilos não sejam de qualidade). As lendas do
rock nacional como Legião Urbana, Skank, Barão Vermelho usam sempre
dois, três ou quatro acordes. Experimente tocar numa festa para ver se
todo mundo não vai cantar junto.
As músicas dos Beatles contém acordes simples, no compasso 4/4 (o mais
popular no rock – escute Help, contando 1, 2, 3, 4, 1, 2, 3, 4, … e
veja como se encaixa), com exceções também conhecidas como o compasso
2/4 (o compasso do samba) de I’ve Just Seen a Face e o 6/8 de You’ve
Got to Hide Your Love Away. Compare isso com o compasso 7/11 de
Money, do Pink Floyd (basicamente, isso significa que você não
consegue dividir um verso de Money em 2, 3, ou 4 partes, como na
maioria das músicas pop, mas sim em 7 partes. Escute a linha de baixo do
começo, que tem 8 notas cíclicas, sendo que a segunda e a terceira são
mais rápidas, sendo subdivisões de um tempo – 7 tempos no total. Se é
difícil explicar, imagine compor.).
Os Beatles faziam música pop no estilo mais puro. As músicas são
gostosas de ouvir, fáceis de tocar – e as letras não desafiam nossa
inteligência.
Escute isso e veja se não dá vontade de cantar junto depois dos
primeiros 10 segundos:
Os Beatles evoluíram
Os Beatles atuaram de 1960 a 1970. Foram disso:
a isso:
Os Beatles não falavam só de amor
Pegue uma música do Roberto Carlos, qualquer uma que vier à cabeça.
Deixe-me adivinhar: ela fala de amor, certo? Pegue também uma música
qualquer na sua playlist de sertanejo universitário e me diga se mais da
70% das músicas não falam de amor.
Numa época em que isso era regra absoluta, os Beatles falavam sobre ser
um escritor (Paperback Writer), descreveram o enterro de uma mulher
que catava arroz depois de casamentos (Eleanor Rigby), debocharam da
revolução (Revolution), declaram sua paixão pela maconha (Got to Get
You Into My Life), musicaram uma notícia de jornal (A Day in the
Life), chamaram atenção para conflitos raciais (Blackbird),
homenagearam um lugar de infância (Penny Lane).
Quantos grupos conseguem falar sobre tantas coisas?
Mas quando falavam de amor, eles eram mestres
George Harrison começa falando do jeito que a mulher anda, logo de cara
querendo seduzir. Lá no meio, ele diz, “Você me pergunta se meu amor vai
crescer. Eu não sei!”, e você pensa, que cafajeste, como ele pode não
ter certeza de que o amor vai crescer? Ao que ele desafia, “fique
comigo, e isso pode aparecer”. Gênio.
E depois eles dizem mais ou menos isso: “pois é, eu a amo, e ela não
entende e aparentemente nem você. Mas se você apenas a visse… quero ver
não amá-la”.
Até quando parece que não, eles estão falando de amor. O que dizer de
uma canção em que o rapaz pergunta se a mulher vai cuidar dele quando os
dois estiverem velhinhos?
Os Beatles sabiam esconder mensagens
Isso dá um ar de mistério. Como citei, Got to Get You Into My Life,
disfarçada de canção de amor, já foi dita por Paul que é uma canção
sobre a maconha. Ainda hoje, estamos tentando entender qual o
significado de Lucy in the Sky with Diamonds. E o que diabos é
Ob-la-di Ob-la-da? E por acaso existem submarinos amarelos?
O que isso significa? Significa, além de fazer músicas fáceis de cantar,
escrever letras trabalhadas. Eles não despejam palavras pela rima. Dá
para ver que eles pararam e pensaram, nem que seja pensar em nos fazer
de tolos. E na hora da gravação ainda faziam mais brincadeiras.
Quer dizer, as canções já são boas. E você ainda pode conversar, “viu
que no final de All You Need is Love o John canta yes, he is
dead?”.
Para conhecer mais, recomendo:
The Beatles – A História Por Trás de Todas as Canções
Além, é claro, de ouvir muito Beatles.
Ah! Querem ouvir minha música preferida?
3 respostas em “Por que as músicas dos Beatles fazem tanto sucesso?”
[…] onde defendo alguma ideia central e construo os argumentos; já escrevi uma resenha de livro, já mostrei em vídeos o que acho da melhor banda do mundo e já dei dicas sobre morar fora do […]
[…] me intrigou na música popular. O amor é com certeza o tema mais frequente (e como falei na minha análise dos Beatles, tem gente que praticamente só fala disso na sua carreira inteira) porém sempre com uma visão: o […]
[…] é fácil: qualquer um que me conhece um pouco mais profundamente sabe o quanto eu gosto dos Beatles. Saber o meu livro favorito exige um pouco mais de intimidade, de tantos livros que eu leio, mas […]