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O Ponto de Imersão

Algumas pessoas gostam de jogar videogame, outras de ver filmes, outras de bisbilhotar no Facebook. Eu, quando estou sozinho, gosto de ler.

Na minha adolescência, minhas preferências eram os romances, especialmente os “mistérios” do estilo O Código Da Vinci. Eu sei, esse tipo de livro pode não ter muito valor, os capítulos são curtos como cenas de cinema para prender a atenção, mas o que eu posso fazer? As histórias são divertidas.

Quando chegou a faculdade, minha cabeça mudou, e comecei a ler muitos livros de não-ficção, sobre ciência, história, produtividade, finanças — e, desde que comecei FabioFortkamp.com, resenhei quase todos que li. Esse tipo de leitura pode ser bastante prazeroso, e você ainda aprende alguma coisa, mas pode cansar também. Eu aos poucos fui perdendo um grande prazer meu, que era ler antes de dormir, por preguiça. No fim do dia, estou exausto, e não quero aprender mais nada. Quero apenas ler um pouco, por entretenimento.

A solução para isso, e que até me fez dormir melhor, foi voltar a ler romances de noite. Eu dei uma pausa nos livros de não-ficção, lendo apenas quando estou numa semana mais leve (como quando resenhei The Information Diet). Depois de terminar um dia de trabalho, tomar um banho, preparar-me para o dia seguinte, eu sento numa cadeira boa (ou na cama, mas nada de deitar), pego um romance e me perco nas histórias.

Nem sempre o livro é bom, porém. Quando é ruim, acontece o mesmo problema, de eu não querer ler antes de dormir. E percebi que existe um critério para determinar quando isso acontece.

Eu recentemente terminei um livro desconhecido chamado A Guerra dos Tronos, de George R. R. Martin. Não tente encontrar em livrarias que você não encontrar. Também dizem que virou uma série da HBO com o nome de Game of Thrones, mas não posso confirmar. Na verdade, essa é segunda vez que leio esse livro; na primeira, não gostei porque não entendi muita coisa da trama e não acompanhava quem é quem. Dessa vez, só não acompanho quem é quem.

Acho que não preciso dizer, mas o livro é muito bom. Já sei que há muita discussão, sobre o enfoque político do livro, as cenas de incesto, a matança generalizada. Como falei, eu tento abstrair esse tipo de coisa; o livro conta uma baita história de maneira eficaz e pronto. Deixo para fazer esse tipo de análise depois de ler.

Um dia, quando ia ao shopping, peguei-me pensando no livro . Estava pensando no que ia acontecer com Lorde Eddard, ou com o Rei, ou com Jon. Ficava imaginando o que seriam os meistres ou as septãs, e como o autor insere a religião sutilmente na história. Fiquei pensando na época em que eu jogava Age of Empires — tudo por causa de A Guerra dos Tronos.

Quando me dei conta disso, percebi que o livro cumpriu o seu papel, e já passou do ponto de imersão na minha cabeça. Eu estava completamente mergulhado na história. Quando chegava a noite, eu não reclamava de preguiça de ler um livro chato, mas sim por só ter tido tempo de ler naquela hora. Agora mesmo, quero saber o que vai acontecer no próximo volume.

E isso é um livro bom. Não é um livro que as pessoas dizem que tenho de ler, porque é um clássico. Quando eu terminá-lo, vou ficar pensando nele. Quando acabar a série, vou lamentar, como lamentei quando terminei Harry Potter.

Num dos meus livros (de não-ficção) de cabeceira, Como Ler Livros, Mortimer J. Adler a Charles van Doren dão um conselho crucial:

Não tente resistir ao efeito que uma obra de literatura imaginativa tem sobre você.

(Tradução livre minha de How to Read a Book, Adler e van Doren, Touchstone, edição revista e atualizada).

Sempre digo que a vida é muita curta para se ler livro ruim. Ache um livro na qual você possa imergir e aproveite.

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Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

4 respostas em “O Ponto de Imersão”

[…] Eu admitidamente tenho um comportamento estranho com livros. Pessoas muito próximas de mim dizem que eu só leio sobre produtividade. Para tentar contra-balancear esta tendência, tento me concentrar em ler livros de ficção à noite e nos finais de semana, mas aí minha família é unânime em dizer que eu só leio livros “cabeça”. Para o leitor ter uma ideia, no momento estou lendo O Cristo Recrucificado, de Nikos Kazantzákis, que parece interessante, mas não posso dizer que vou para a cama ansioso por ler esse livro, como é quando eu leio algum livro d’As Crônicas de Gelo e Fogo. […]