Quando eu e minha esposa estávamos para nos casar, amigas dela fizeram aquela brincadeira de perguntar meus favoritos: livro, banda, filme etc, e ver se ela acertava. Minha banda favorita é fácil: qualquer um que me conhece um pouco mais profundamente sabe o quanto eu gosto dos Beatles. Saber o meu livro favorito exige um pouco mais de intimidade, de tantos livros que eu leio, mas minha esposa acertou em cheio: meu livro favotiro são As Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin.
Eu não sou o nerd típico no sentido de nunca ter sido muito fã de fantasia. Não jogava RPG e muitos dos livros do gênero me soam cansativos — ainda nem terminei de ler O Senhor dos Anéis. E na primeira vez que li A Guerra dos Tronos, o primeiro livro da série, também me senti cansado. Meses depois, persisti e tentei ler mais uma vez, com um pouco mais de paciência e esforço, e daí não parei mais. Acho que o que me encanta mais não é o aspecto fantasioso, que nem é tão abundante assim, mas o aspecto histórico e político. Aí sim fui o CDF típico, de adorar histórias medievais, jogar Age of Empires e Civilization. Lembro-me do meu espanto quando, adolescente, dei-me conta de que ainda existem reis e monarquias no mundo. Para ser bem sincero, acho as monarquias europeias muito mais fascinante que as repúblicas. Os aspectos políticos do mundo em geral me interessam; quando pensei em ser jornalista, flertei com a ideia de ser jornalista político e fazer análises precisas, e ainda hoje é o que mais me interessa nos jornais.
De uma certa maneira, As Crônicas de Gelo e Fogo arruinaram a minha leitura. Perto da sua complexidade, outros livros parecem bobos, sem intrigas inteligentes, sem personagens de cujas intenções não se sabem. Eu leio muitos romances históricos, e nesse tipo de livro, quando aparece uma donzela, filha de cavaleiro ou nobre, eu já sei o que vem por aí: ela quer se casar com um camponês, mas precisa se casar com o visconde; ela é virgem e ele frequenta prostíbulos; ela quer estudar mas o mundo é dos homens. Ainda que o mundo devesse ser assim, custo a crer que na sua intimidade elas eram tão unidimensionais. Nas Crônicas, por outro lado, você têm Sansa, que começa como uma donzela sonhadora mas logo começa a participar das conspirações (ainda que sempre assustada).
Este Fogo & Sangue: Volume 1 é um prólogo à série — e, desconfio fortemente, uma distração para o autor para não continuar nos próximos livros sequenciais. Martin se coloca na pele de um arquimeistre (para os completamente leigos: um erudito) para contar a primeira metade da história da Dinastia Targaryen, como se fosse um historiador pesquisando e relatando o que aconteceu séculos antes. E é aí que me causa o primeiro espanto: Martin está no mesmo universo de todos os seus outros livros da série, mas consegue inventar outra voz completamente diferente, como se de fato não fosse a mesma pessoa que escreveu As Crônicas e este livro. Como acadêmico, também me identifico com o pretenso estilo científico, de “citar” várias fontes, como se fosse um tratado mesmo: “este autor fala disso, mas não podemos confiar; este outro diz isso, e estava presente nesses acontecimentos”.
Para qualquer fã, este livro vai apresentar claramente episódios que são mencionados em fragmentos ao longo da série, especialmente toda a conquista de Aegon no começo. Também tem detalhes sobre os Baratheon que ajudam a entender como Westeros aceitou Robert tão facillmente como rei após a queda de Aerys II.
O que esse livro não responde é o que mais me intriga e incomoda: como é possível haver tanto incesto em uma família sem consequências biológicas e sociais. Será o mundo retratado na série tão diferente da vida real. Será que “os Targaryen não ficam doentes” (o que se torna um ponto importante de discussão no meio do livro)? Jaehaerys I, por exemplo, era justo, sábio, bravo, conciliador — mas teve mais de 10 filhos com a irmãzinha. Só eu fico incomodado com isso?
Questiono algumas escolhas narrativas: na cronologia da dinastia, duas crianças assumem o trono em seguida, com os mesmos problemas, e os mesmos acontecimentos (regentes ambiciosos, meninos querendo ser adulto etc). Acho que essa repetição só torna o livro mais cansativo e não acrescenta nenhuma discussão nova. Também tenho dificuldade em seguir tantos nomes parecidos: Daemons e Daerons, Rhaenys e Rhaenyras.
Mas Fogo e Sangue: Volume 1 é um livro de leitura fácil e deliciosa, que permite mergulhar num mundo fascinante que na verdade nos ajuda a entender o nosso mundo. Algumas pandemias aparecem na história, e o que se faz é trancar os castelos, ninguém entra e ninguém sai, os doentes são tratados, todo os portos e mercados são fechados, até o que o problema acabe. Estranho, não?
Uma resposta em “Resenha: Fogo & Sangue Volume 1”
Fala, Fábio.
Para mim, o grande problema do Martin é a quantidade de personagens com nomes tão estranhos.
Até eu descobrir que havia um “mapa” de personagens no primeiro livro da série, gastei um tempo lendo e relendo o primeiro capítulo, para gravar o nome de cada um deles.
Grande Abraço