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Reclamar da bolsa de pós-graduação é receita de infelicidade

Num evento recente, um colega que está terminando o mestrado me fez alguns questionamentos sobre a vida de doutorando. Dentre os vários assuntos discutidos, um em particular me chamou a atenção a tal ponto que achei que renderia um post interessante. A grosso modo, aqui está o pensamento do meu colega:

Um estudante de doutorado é antes de tudo um mestre, e portanto deveria ser remunerado como tal. Se a média dos salários de um engenheiro mestre que entra numa empresa de alto nível é X, então a bolsa de doutorado deveria ser próxima de X, principalmente se o doutorando trabalhar em projetos ligados a uma empressa desse tipo.

Vou falar para vocês, leitores, o que falei para ele:

Equiparar a bolsa de pós-graduação com o salário dos colegas que se formaram com você é uma receita garantida de infelicidade e frustração profissional.

Perdoem a minha possível arrogância, mas eu posso garantir a vocês que eu ganho muito menos do que a minha inteligência vale, porque eu não trabalho em nada diretamente rentável. Como diz Gustavo Cerbasi, quando você trabalha em uma corporação você está na verdade dedicando tempo a enriquecer os patrões, e recebe uma “indenização” na forma de salário por conta desse tempo gasto em benefício dos outros. Como assalariado, você contribui effetivamente para o produto ou serviço da sua empresa. Como pós-graduando, porém, você não está participando dos lucros de nenhuma empresa (nem mesmo das universidades); é muito difícil traçar uma linha direta entre um trabalho de pesquisa e o retorno financeiro para a universidade, agência de fomento ou empresa.

Portanto, um estudante de mestrado e doutorado investe tempo primariamente em si, na sua formação (palavras do meu amigo e co-orientador Jaime). A nossa bolsa é simplesmente um auxílio (como confirma esse texto bastante catastrofista da Galileu) que recebemos de agências de fomento ou mesmo de empresas por participar de projetos estratégicos a elas; a bolsa não é uma medida do nosso trabalho. Como consequência, também não temos benefícios trabalhistas nenhum, como férias, décimo-terceiro, vale-alimentação. Mas como já falei em outras vezes, isso vem com contra-partidas: eu posso manter o meu regime de trabalho, tenho todos os benefícios brasileiros de ser estudante e passo os dias estudando assuntos extremamente interessantes, ganhando o suficiente para viver de maneira confortável.

Sim, como falei, eu concordo que ganhamos pouco, que somos pouco valorizados, que é um absurdo as bolsas ficarem congeladas enquanto a inflação sobe. Também não morro de felicidade quando vejo meus colegas comprando carro e apartamento (nem todos, porque a economia do Brasil como um todo está mal). Mas isso não me abate, porque eu escolhi isso. Eu quero seguir a carreira acadêmica, por acreditar que ela é ideal para mim, e as pessoas à minha volta me apóiam; o doutorado é uma etapa transitória mas necessária, cheia de sacrifícios e de experiências boas rumo ao desafio de ser professor em uma boa universidade.

Num texto meio exagerado, o Prof. Matt Might diz que a vida de doutorado se assemelha à vida monástica, incluindo um voto de pobreza. Acredite em mim quando digo que os pós-graduandos mais infelizes e com menor chance de sucesso são aqueles que se deixam desmotivar porque acham que ganham pouco, enquanto que aqueles que tem mais sucesso depois são aqueles que abraçam esse período, com todos os seus desafios, sempre pensando nos objetivos finais.

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Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

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