Um dos meus textos favoritos publicados em FabioFortkamp.com é Você não precisa de uma tela Retina, onde falei que nem todo mundo precisa do melhor smartphone do mercado; precisamos usar a tecnologia para resolver nossos problemas da melhor maneira, e detalhes como a qualidade ultra-refinada da tela ou a velocidade do processador muitas vezes são supérfluos.
Não é um dos textos mais populares desse site, mas tê-lo escrito teve um impacto grande sobre a minha maneira de pensar. Quando sai alguma notícia sobre algum gadget ou app novo, eu ainda não consigo evitar ficar bem animado, mas sempre paro e me pergunto que utilidade teria aquilo na minha vida. O que conseguiria fazer de bom com essa nova tecnologia? Tirando a infame parte cool da novidade, para que serve?
Essa minha visão utilitária de engenheiro não significa que menosprezo áreas abstratas como Física e Matemática — pelo contrário, admiro-as profundamente! A nossa busca por conhecimento é que nos faz humanos, em parte. Porém, quando somos usuários da tecnologia, precisamos pensar sim na utilidade de coisas nas quais gastamos nosso dinheiro e nosso tempo.
Um livro que expressa muito bem essa minha filosofia, de usar os recursos tecnológicos para um fim maior, é Conecte-se ao que importa, do jornalista Pedro Burgos, e se você concorda ao menos em parte comigo, deve lê-lo.
Burgos era editor do Gizmodo Brasil mas se cansou de escrever sobre GHz, como ele mesmo diz. Conecte-se … é uma reunião das suas ideias sobre tecnologia como um meio, sobre o quanto a nossa permanente conexão (seja à internet, seja simplesmente à tela do celular) está afetando a nossa ligação com o mundo real, e sobre como precisamos curar esse nosso vício.
Não é difícil atestar que estamos sim viciados. Num exemplo matador, o autor exemplifica que nossa definição de um lugar distante e remoto é “onde não pega sinal de celular”, ou seja, onde nem existe mais civilização. E quando isso se torna um fator para não querermos ir mais viajar, ficar com pessoas que nos fazem bem, pelo simples medo de ficar desconectado, isso é um problema.
Existe uma analogia muito interessante com carros no livro. No começo, o carro era uma invenção revolucionária, que agilizou muito o transporte de pessoas. Hoje, porém, usamos o carro para ir na padaria da esquina, usamos o carro como transporte individual para tudo, e achamos estranho quando alguém usa o ônibus — pior, sentimos pena. O resultado nos afeta, com cada vez mais acidentes e congestionamentos. O que estamos fazendo, então? Propondo uma volta à bicicleta, ao rodízio de carros, ao incentivo ao transporte público — ou seja, ao uso mais esporádico do carro — em busca de um equilíbrio. No futuro, vamos ter de fazer isso com a internet.
Ao longo do livro, então, Burgos analisa diversos aspectos da nossa relação com tecnologia, expõe problemas e mostra como pode-se pensar numa solução. Num dos meus exemplos preferidos, o autor conta que encontrou um amigo para contar sobre sua viagem, mas percebeu que o outro estava desinteressado, pois já tinha visto todas as fotos no Facebook e lido tudo no blog. As redes sociais talvez estejam eliminando o fator “quais são as novidades?” de uma conversa.
Existem vários outros pontos que me chamaram realmente a atenção. Os aplicativos de navegação, por exemplo, são fantásticos, e, repito, resolvem um problema real. Mas a febre do social é tão grande que queremos socializar até mesmo quando estamos dirigindo, usando o Waze (que pertence ao Google) para informar onde há blitz e para nos comunicar com outros motoristas, porque claro que isso é sensato. Ou o paradoxo em que chegamos em relação a internet: temos acesso a todo tipo de opinião, mas o Google e o Facebook fazem um esforço enorme para personalizar a nossa internet, exibindo-nos apenas o que interessa. Ou sobre a nossa aversão ao tédio, onde puxamos nosso smartphone a cada vez que ficamos sem fazer nada, e isso pode estar tirando nossa capacidade de pensar.
O último capítulo, “O Preço do Gratuito”, deveria ser impresso à parte e todos os brasileiros deveriam ler. É 2014, o Netflix custa menos de R$ 20 por mês, um filme numa locadora custa R$ 5, e ainda tem gente baixando filme por torrents — pior, achando que isso é um direito, já que está lá na internet mesmo, e que isso não é roubar já que não diminui a quantidade de filmes disponíveis, e que pelo menos você não está dando dinheiro para o camelô da esquina.
Não se iluda. Se você baixa um filme, você está roubando uma obra. Produzir um filme é um trabalho, assim como o seu emprego, e as pessoas são pagas pelo dinheiro gerado — bilheteria, marketing, vendas e locação de DVDs, streaming. Você não tem direito de assistir a um filme se não quiser pagar, como não tem direito de comer num restaurante se não quiser pagar. Ninguém lhe obriga a fazer nenhuma dessas duas coisas, mas se fizer, deve pagar.
Como o autor diz, os jornais dão muito espaço às histórias de sucesso do “compartilhamento de cultura” e ignora os que dizem que perderam muito dinheiro. Leia e reflita, e pense que é o seu emprego que poderia ser “compartilhado” por aí.
No fim, Conecte-se ao que importa é um livro que provoca uma reflexão profunda. O quanto que a tecnologia nos ajuda? O iPad, que pode ser usado para ler e falar com pessoas distantes, pode ser um terminal de YouTube permamente. A internet 3G, móvel, pode ao mesmo tempo lhe liberar da mesa de trabalho (já que você não precisa mais estar no escritório para ver seus emails) ou o ligar continuamente a ela (quando em jantares com a família você recebe notificações de assuntos supostamente “urgentes”).
Escolha um problema, e procure uma solução por meio da tecnologia, que lhe permita voltar rapidamente ao que gosta.