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Gavetas de meias e a Segunda Lei da Termodinâmica

O leitor já deve ter percebido que as meias na sua gaveta parecem ter
vida própria. Você dedica um dia para organizá-las, juntar os pares,
separar por cores, e uma semana depois você já começa a achar uma meia
sem seu par. Como isso é possível?

A razão pela qual as meias estão sempre bagunçadas é a mesma pela qual
muitos processos ocorrem na natureza: é sempre mais fácil bagunçar algo
do que organizá-lo.

Essa ideia é chamada de Segunda Lei da Termodinâmica. Entender a
Segunda Lei nos ajuda a entender bagunça das meias.

Existem tantas interpretações para esse princípio básico da Física que
fica até difícil escolher uma, mas vou tentar ser sucinto. Vamos começar
com a definição de três termos básicos para que eu possa ser entendido.

Um sistema é uma porção isolada de matéria. Sim, essa é uma definição
bastante arbitrária, mas esse justamente é o ponto. Um sistema pode ser
um átomo, o gás contido em um cilindro, as meias da sua gaveta ou o
universo. O sistema é aquilo que você vai analisar.

O conjunto de condições que caracterizam um sistema é o estado.
Normalmente (e talvez a rigor) esse termo geralmente caracteriza
líquidos e gases; quando você especifica a pressão, temperatura, volume,
massa etc de gases, você está especificando seu estado. Entretanto,
fugindo do formalismo, não vejo por que não podemos especificar o estado
de uma gaveta de meias especificando a massa de cada uma, sua posição,
os materiais que a compõem.

Um processo é uma mudança de estado. Para fins dessa discussão, um
processo é aquilo que muda um sistema.

Então, a Segunda Lei da Termodinâmica diz que os processos na natureza
só tem um sentido possível de acontecerem naturalmente, e esse sentido é
sempre do sistema mais organizado para o sistema menos organizado
.

Estudantes geralmente aprendem a Segunda Lei com exemplos de
transferência de calor, com o mantra de que “calor passa de um corpo
quente para um corpo frio”. Quando você coloca sua mão em uma panela
quente, calor passa da panela para a sua mão, sem você precisar fazer
nada. Não é possível você encostar a sua mão na panela e seu corpo ficar
mais frio ainda, enquanto que a panela fica mais quente. Isso violaria a
Segunda Lei.

Repare no naturalmente da definição, significando basicamente “sem
ação mecânica”; refrigeradores de fato removem calor de um sistema frio
(o interior da geladeira) para um sistema quente (o ar próximo ao
condensador, aquele tubo dobrado atrás), mas fazem isso com a ajuda de
um compressor (e é por isso que você precisa de energia elétrica).

Um outro exemplo da Segunda Lei é um desodorante. Você abre a válvula, o
gás sai para fora e o tubo fica frio, isto é, rouba calor da sua mão.
Não é possivel naturalmente inverter esse processo; se você colocar um
tubo vazio em um ambiente frio (que roube calor do tubo) e abrir a
válvula, o gás não vai escoar de volta para dentro.

O gás dentro do tubo está bem compacto e organizado. Quando você abre a
válvula, o gás se expande para o ambiente, onde ele se difunde e fica
mais desorganizado. Assim, pela Segunda Lei, esse é um processo natural.
Você partir do inverso, de um gás espalhado pelo ambiente para um gás
compacto em um tubo de desodorante, é impossível.

O exemplo da mão e da panela pode não parecer, mas é equivalente. Isso
tem a ver com uma propriedade chamada entropia, mas isso é assunto
para outro texto. Do ponto de vista da entropia, transferir calor de um
sistema frio para um sistema quente é o mesmo que deixar um sistema
desorganizado mais organizado.

Outro exemplo: despeje café solúvel em uma xícara de água quente
transparente (ou café preto em uma xícara de leite). Observe que
inicialmente o café fica numa camada superior e a água numa camada
inferior. Por um segundo ou menos eles ficam separados. Essa é uma
situação organizada, sujeita a mudanças. O café começa a descer, se
espalhando pela xícara, de maneira a criar uma estrutura… adivinhem?
Desorganizada.

Processos que criar desordem são fáceis e naturais. Uma vez removidas
barreiras (como a tampa do desodorante), uma vez que se criem condições
para transferência de energia e massa, os sistemas sempre vão tender
para um estado de menor organização. Para reverter isso, é preciso
agir sobre o sistema, como o compressor no sistema de refrigeração.

Exatamente como na nossa gaveta de meias. É claro que eu não estou
sugerindo que as meias vão se movimentar sozinhas, mas é fascinante
pensar que a nossa mente se comporta assim. É muito fácil bagunçar as
suas meias — experimente pegar todas e jogá-las para cima. Agora, elas
não vão se arrumar sozinha, até que você aja e arrume suas meias.

Pense na quantidade de sistemas que são bagunçados e perceba como eles
ficaram assim naturalmente. O fio do telefone (isso ainda existe?). O
macarrão no seu prato. As bolhas em um copo de refrigerante. As marcas
de sujeira no vidro. Parte disso tem explicação atômica, parte vem da
nossa mente, mas o princípio é o mesmo: criar algo perfeitamente
alinhado não é natural.

E tem gente que diz que Física é inútil.

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Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

Uma resposta em “Gavetas de meias e a Segunda Lei da Termodinâmica”

Kkk Muito bom o texto! Se vale ym dica prática: eu junto as duas meios em uma bolinha! Bolinha de pares, entende?! Aí elas nao se siltam!

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