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Verdades sobre as diferenças entre academia e indústria

Sinto-me um pouco impostor em escrever isso, já que saí da academia sem realmente sair, trabalhando como Engenheiro em um instituto de pesquisa em parceria com empresas. Mas minha rotina atual é muito mais voltada à Engenharia e desenvolvimento (especificamente no meu caso, de software) que a atividades de pesquisa, então acho que posso dar algumas dicas para estudantes (de graduação ou pós-graduação) que estão prestes a enfrentar um pouco da realidade agora.

Verdade #1: o mundo real usa Word e não LaTeX – ou, como se preparar para o mercado

Se você não é estudante de exatas, não vai entender o meu ponto. Mas aqueles que acostumaram a escrever artigos, teses, relatórios etc usando LaTeX, podem se preparar: fora da academia, ninguém sabe o que é isso. Você vai usar Word e passar mais tempo ajustando a posição das figuras que escrevendo texto de fato.

O que leva a um outro ponto, mais profundo: quantas das suas habilidades estão adequadas ao mercado? Como eu sou Engenheiro, minha visão é pragmática: o mercado é a realidade. O mercado não aceita o futuro do pretérito, e não deveria ser de um jeito de outro. O mercado é.

Eu tenho que escrever documentos em Word o tempo todo, e gasto cada segundo desse processo me odiando. O que eu não faço é reclamar e desejar que eu poderia usar LaTeX. Eu tento fazer o serviço bem feito, e aprendendo a me guiar melhor.

Nunca é cedo ou tarde demais para olhar para fora; pesquise vagas de emprego na sua área e veja se você consegue se candidatar para alguma hoje. Se não, o que falta?

Verdade #2: ninguém liga para que linguagem de programação você usa

Se você está terminando a faculdade ou algum curso de pós-graduação hoje, é provável que tenha implementado alguma coisa em alguma linguagem de programação, e talvez esteja orgulhoso das suas habilidades em Python, ou R, ou Matlab. Mas você sabe o que acontece? Gerentes usam Excel e querem ver relatórios e apresentações (voltando ao ponto anterior: você consegue criar uma planilha ou apresentação razoável em algumas horas?), e não sabem o que é Python.

É claro que você deve aprender programação. Mas você deve aprender programação, e não linguagens de programação. Se você precisa analisar dados para um relatório, então o produto a ser produzido é um gráfico, e não o seu programa. Se você consegue fazer o gráfico sozinho em Python, então crie o programa que analise os dados e siga em frente. Mas se a sua equipe já usa R para analisar os dados automatizados de algum sensor, o quão preso você está em Python?

No vídeo abaixo, Chris Lattner, criador de compiladores e linguagens de programação, é bem direto: clientes não ligam para o programa que você criou, eles ligam para o problema que o seu programa resolve.

Chris Lattner falando sobre habilidades de programação e como o que importa é o resultado e não o programa

O meu projeto profissional principal usa Python, mas isso é uma decisão da nossa equipe de desenvolvimento, e não do nosso cliente. Ultimamente tenho pensando muito em passar para uma linguagem compilada e estaticamente tipada para facilitar a documentação, e tenho plena confiança de que nosso cliente não liga. Se o programa produz sempre o mesmo resultado, o que a linguagem de implementação importa?

Para um projeto secundário, estou colaborando com um colega que já fez grande parte do trabalho usando Julia, uma linguagem nova para mim. O que fiz? Estudei um pouco de Julia e fiz o que tinha que fazer. Meu trabalho é resolver problemas de engenharia, não filosofar sobre Python. Mas se no futuro, quisermos passar para outra linguagem não deve ser difícil.

Em outro clipe do podcast do Lex Fridman, Charles Hoskinson fala que a sua companhia usa uma linguagem acadêmica (Haskell) porque é mais voltada para a pesquisa que eles fazem, mas que os programas podem ser portados para outra linguagem mais tarde.

A não ser que você seja da área de programação (onde você vai provavelmente vai ser contratado para uma linguagem específica que já é usada em um time), escrever programas para resolver problemas é uma habilidade que o mercado (ver ponto anterior) procura; programar em Python não é. Se você está procurando vagas em algum projeto de análise de dados, talvez linaguagem X ou Y seja um requerimento (novamente, porque é o que a equipe já usa, não porque alguém liga); o quão difícil é você criar um projeto no GitHub mostrando essa habilidade?

Verdade #3: o mundo real usa unidades feias (e sistemas desatualizados, e planilhas bagunçadas)

Surpresa: fora da academia, ninguém sabe o que é kelvin. Catálogos de tubos estão em polegadas, não em milímetros. Determinadas indústrias usam sistemas de unidade próprios.

O que não é surpresa: não é você quem vai mudar isso.

Acostume-se à bagunça da vida real, onde algumas coisas estão em litros e outras em galões. Você vai receber planilhas onde está tudo misturado (e nada vai estar documentado, é claro).

Ah: e você também vai usar sistemas desatualizados, com softwares que vão fazer você ficar com raiva, já que você sabe que existem versões mais recentes melhores. Novamente, o mercado entre em cena: a sua futura empresa tem muito mais incentivos em manter tudo funcionando do que pagar para atualizar todas as licenças, ou todos os servidores. É você que tem de ser flexível.


Já virou clichê de millenials como eu reclamar da geração que está terminando seus estudos agora. Não vou fugir desse clichê: estou notando sim um idealismo maior nos estudantes universitários de agora do que na época de quando eu estava na faculdade, achando que tudo deveria ser mais fácil.

Isso é perigoso.

O tal mercado que tanto falei não aceita estudantes arrogantes – aceita pessoas que trabalham duro e se adaptam. Quem você vai ser no mercado de trabalho?

Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

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