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Palavra-chave: ciência

Um dos podcasts que acompanho é o Palavra Chave Podcast, do psicólogo
Fellipe Salgado, que oferece análises do cotidiano sob um ponto de
vista psicológico. Os assuntos são sempre relevantes e interessantes,
Fellipe demonstra saber o que fala e se esforça em fazer muita pesquisa,
e o podcast tem uma duração que acho ideal: cerca de 20 minutos, mais ou
menos o tempo de translado entre minha casa e a universidade. Perfeito.
Fica a dica.

O último episódio fala de ciência, inspirado na notícia de que o bóson
de Higgs, ou a partícula de Deus, rendeu o prêmio Nobel de Física aos
seus teóricos
. A partir daí, Fellipe traz algumas questões sobre o
“fazer ciência” e sobre o que a tal “verdade científica” significa.

Na qualidade de engenheiro, ou seja, “um cara das exatas” como gostam de
me chamar, gostaria de oferecer meu ponto de vista em dois pontos
principais. Repare que isso é minha opinião e não representa de maneira
alguma uma crítica ao Fellipe. Ele também é estudante de mestrado e sabe
que discordar faz parte.

Não existe Eureka

Fellipe pondera como o psicólogo de Peter Higgs (que deu nome ao bóson)
reagiria se seu paciente agora famoso chegasse e tivesse dito ter
descoberto uma partícula de Deus. Será que não seria um caso de delírio
de grandeza?

Não pesquisei a fundo em entrevistas com Higgs, mas se tem algo em que
acredito, baseado nessa minha minúscula experiência na carreira
científica, é que não existem momentos de Eureka. Higgs, muito
provavelmente, não largou o lápis e pensou “Senhor, descobri a Sua
partícula”. Vamos pensar num cenário mais iterativo. Higgs estava
resolvendo um problema teórico e fez uma hipótese simplificativa:
“suponha que exista uma partícula com uma propriedade tal”. Para sua
surpresa, essa partícula teórica resolvia o problema. Algum tempo
depois, ele deve ter tido a ideia de usar essa mesma partícula em
problema semelhante, e viu que também funcionava. Higgs foi então
refinando o modelo e viu que ele explicava muita coisa.

Pode ser que eu esteja enganado, mas vamos combinar que esse cenário é
muito mais plausível. Fazer ciência é um processo criativo, e
criatividade é iterativa por natureza. Você começa com um rascunho e
vai refinando.

O que é uma lei científica?

O outro comentário que me fez refletir é sobre a questão de ciências
“objetivas” e “subjetivas”. Por exemplo, a Física é tida como uma
ciência objetiva: a Lei da Gravidade é verdadeira e ponto. Por sua vez,
a psicologia é bastante subjetiva. A analogia usada é entre “átomos”,
que podem ser visualizados, e a “memória”, que é difícil de definir.

O próprio Fellipe depois questiona isso, dizendo que a física pode ser
subjetiva e a psicologia, objetiva. Mas deixe-me reforçar esse ponto.

A “Lei da Gravidade” não é verdadeira, porque não existe uma lei da
gravidade. O que é existe é o fato de que, empiricamente, quando você
solta um objeto ele tende a cair. Entretanto, e aí é que está, nada
garante que amanhã não seja descoberto um material que não caia. As
“leis” da Física, como a Segunda Lei de Newton, ou as Leis da
Termodinâmicas, não são provadas, como é, por exemplo, o Teorema de
Pitágoras. Nós temos confiança nelas com base na estatística, na
ausência de contra-exemplos.

Basta você ver que a “Lei da Gravidade” já mudou de forma. Newton disse
que era uma força e Einstein disse que é uma deformação do espaço.
Atualmente, trabalha-se com a hipótese de que é um campo gerado por uma
partícula ainda a ser descoberta, o gráviton.

Reconhecer as limitações da ciência não é criticá-la, mas admitir que
ainda temos muito a aprender. A natureza é muito mais complexa do que a
mente humana é capaz de entender. É nosso papel, como cientistas, de
criar abstrações que expliquem os fenômenos, chegando numa solução
plausível — e essas abstrações geram resultados fabulosos.

Como engenheiro, estudando mais a fundo a área de Termodinâmica de
Misturas e de Refrigeração, eu me questiono o tempo todo. Essa equação
de estado é válida? Essa hipótese de sistema adiabático é realista? Só
assim é possível aprender alguma coisa.

A palavra-chave é ciência. Federico Viticci do MacStories escreveu:
ciência é aquilo que injeta fótons no seu corpo para matar o câncer.
Como não se maravilhar com isso?

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Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

2 respostas em “Palavra-chave: ciência”

Sim Fabio, a Eureka eu caí mesmo! É claro que uma teoria não é criada de uma hora pra outro! rs Eu adorei sua forma de escrever, muito claro e objetivo e com ótimos argumentos e contrapontos. Realmente nossa formaçao nos direciona pra um lado e nos deixa com outros pontos cegos do outro. Seu artigo me clareou a diminuir esses pontos cegos; muito bom. Abraço Fellipe

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