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Resenhas de livros

Resenha: O Andar do Bêbado

Leonard Mlodinow (autor de Subliminar) tem uma tese central: o
acaso tem papel fundamental na nossa vida, e a nossa ignorância da
aleatoriedade nos prejudica
. E ilustra e defende essa tese de maneira
magistral.

O Andar do Bêbado é uma obra de divulgação científica, centrada na
matemática mas com conceitos de física, sociologia, psicologia e
economia. Também é um livro de onde podemos tirar muitas informações
históricas, embora esse não seja o foco do livro.

Nos seus 10 capítulos, a obra tem três macro-divisões. No Capítulo 1, o
autor faz a sua introdução, apresentando-nos os termos básicos do livro:
acaso, padrão, aleatoriedade, sorte. Somos apresentados com casos de
sucesso nos esportes, no cinema e nos livros, onde especialistas buscam
explicações para o sucesso. Na verdade, o autor argumenta, a
probabilidade que um filme ganhe milhões por mero acaso não é nada
desprezível, e isso tem implicações profundas em muitas outras áreas.

Um exemplo em particular nesse capítulo me agrada. Daniel Kahneman,
um psicólogo ganhador do Nobel de Economia, teve uma epifania que rendeu
muitas pesquisas premiadas na sua carreira. Como psicólogo, ele estava
dando treinamento a um grupo de instrutores de vôo, dizendo que seus
alunos deveriam ser elogiados quando conseguissem um resultado positivo.
A plateia reagiu, dizendo que sempre que isso acontece os alunos pioram
de desempenho. Kahneman então concluiu que o que está havendo é um
fenômeno de regressão à média; os alunos naturalmente tinham momentos
bons e ruins, mas a sua média de desempenho deve se manter constante.
Quando seu desempenho é particularmente bom, é natural que seus próximos
resultados não sejam tão bons, e os elogios têm pouco a ver com isso.
Foi essa visão de que a aleatoriedade passa despercebida na nossa vida
que eventualmente rendeu o Nobel a Kahneman.

Nos Capítulos 2 a 7, Mlodinow apresenta as leis básicas da probabilidade
e da estatística. Cada capítulo é destinado a um princípio em
particular, com muitos exemplos e histórias de matemáticos famosos
envolvidos (como Cardano, Pascal, Johann Bernoulli, Gauss, Laplace).
Fala dos gregos e sua completa ignorância da probabilidade (o que me
causa bastante espanto); dos romanos e sua matemática prática aplicada
às leis, onde as penas eram calculados com base na probabilidade do réu
ser culpado. Fala de problemas famosos, como o de Monty Hall e o
problema do aniversário. E sua conclusão é sempre a mesma: nossa
intuição falha quando estamos falando de probabilidade.

Particularmente interessante é o capítulo 6, sobre probabilidade
Bayesiana
(ou condicional), uma área onde ocorrem muitos erros na
vida. O autor conta a sua história pessoal, onde ele quase foi
diagnosticado com HIV quando o médico cometeu um erro clássico da Teoria
de Bayes: confundiu a probabilidade de o exame dar positivo se o
paciente não for HIV-positivo (que é muito baixa) com a probabilidade de
ele não ser HIV-positivo mesmo se o exame der positivo (que não é tão
baixa assim). É preciso levar em conta as outras variáveis: por exemplo,
qual a probabilidade de uma pessoa do mesmo grupo do autor (seus
hábitos, seu uso de drogas, seu comportamento sexual) ter HIV. Isso muda
o cálculo; dado que o exame tem erros, o fato de ele dar positivo para
uma pessoa com baixa probabilidade ou com alta probabilidade de estar
infectado tem interpretações distintas.

No Capítulo 7, o autor apresenta a estatística e sua noção de que toda
medição tem erros. Fala da busca pela curva normal (onipresente para
engenheiros), de como todo instrumento apresenta variação (você ver a
balança diminuir seu peso não significa que você emagreceu), e de como a
mesma expressão matemática correlaciona muitos fenômenos da vida — por
exemplo, a curva de desempenho de estudantes que chutaram todas as
questões de uma prova e de corretores de ações tidos como analistas
gabaritados é assustadoramente parecida.

Por fim, nos capítulos 8 a 10, o autor apresenta as aplicações de todos
esses conceitos à vida real. Um exemplo polêmico é o argumento de que,
embora cada humano seja uma entidade complexa e independente, em
sociedade nosso comportamento é matemática previsível. As variações nos
números de acidentes entre um ano e outro podem ser previstas pela
estatística. As taxas de natalidade e mortalidade também podem ser
relacionadas pela estatística. Há também implicações na Física: o
movimento browniano, o movimento de moléculas que hoje ajuda a
explicar muitos fenômenos dos gases, é completamente aleatório.

A conclusão geral é que da nossa natureza procurar padrões, e isso nos
engana. É fácil saber de dois ou três vizinhos estão com câncer e
concluir que a sua vizinhança é amaldiçoada; difícil é fazer cálculos e
ver que essa incidência é perfeitamente normal (infelizmente). É fácil
achar muito suspeito que ninguém conseguiu prever o 11 de Setembro,
difícil é perceber que existem muitos eventos possíveis no futuro, e
calcular a probabilidade de cada possível implicação não é fácil. É
fácil achar que somos honestos; difícil é aceitar que, como foi mostrado
num estudo, damos mais credibilidade às pessoas que ganham mais, mesmo
que isso tenha sido determinado completamente por acaso.

Entender o aleatório nos ajuda a entender o mundo, e Mlodinow tenta
contribuir para isso com êxito. Um dos melhores livros que li nesse ano.

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Learning To Love Photo Management

Eu não gosto de tirar fotos, embora goste de ter recordações, mas eu
absolutamente detesto organizar fotografias. O iPhone simplificou e ao
mesmo complicou isso: eu não preciso mais de uma câmera digital, mas ao
mesmo tempo como diabos eu tiro as fotos dali? E se eu passar para o meu
computador, como posso mostrá-las para alguém quando não estou com ele
por perto?

Bradley Chambers lançou esse livro chamado Learning To Love Photo
Management
 que trata dessas questões. Eu ainda estou lendo, mas
baseado numa leitura rápida já deu de ver que valeu a pena. Chambers
criou um método de organização e compartilhamento usando o mínimo de
ferramentas.

Esse livro também representa uma categoria que acho muito interessante:
livros práticos, curtos, cheios de informações valiosas, distribuídos
facilmente pelo iBooks e baratos.

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Resenha: Como Ler Livros

Eu me considero alguém que lê bastante. Só nesse ano, já li 11 livros, o
que é mais que muitas pessoas lêem num ano inteiro. Já devo ter deixado
claro aqui que ler é uma paixão profunda minha.

Porém, admito que não sou um bom leitor. Às vezes, fico tão ansioso
para terminar o livro que acabo correndo para terminar logo e começar
outro. Não raramente fica a impressão de não ter ficado nada gravado na
cabeça. E isso é desesperador; é uma sensação de tempo perdido.

Depois de ler Como Ler Livros, de Mortimer Adler e Charles Van
Doren, é possível entender por quê. Ler é uma atividade complexa que
exige técnicas. Ler um livro é muito mais que virar páginas e ouvir
uma voz recitando as palavras.

A ideia da obra é bastante direta. É possível ler de diversas maneiras,
mas quando se quer realmente entender um livro é preciso ler da maneira
certa. É o que os autores chamam de “níveis de leitura”.

O primeiro nível é o da leitura elementar. É a simples decodificação
da linguagem, acompanhada da interpretação mais básica. É ler letra após
letra, palavra após palavra, parágrafo após parágrafo. É ler algo como
“as gaivotas voavam sobre o mar azul” e ser capaz de realmente
visualizar gaivotas voando, imaginar um mar azul (talvez uma praia que o
leitor já tenha frequentado) e juntar as duas coisas. É aqui que acaba a
leitura ensinada nas escolas e é aqui que a maioria das pessoas para.

O segundo nível é a leitura é o da leitura inspecional. Ela tenta ver
o livro como um todo. Leia o prefácio (não consigo imaginar como alguém
pode pular o prefácio, a propósito): qual a intenção do autor? Leia o
sumário e veja como o escritor estruturou a sua ideia. Leia o livro
rapidamente, parando em apenas alguns trechos para ler com mais atenção.
A leitura inspecional é responder à pergunta: “esse livro é sobre o
quê?”. É um romance, um livro sobre política, ou sobre matemática, ou
sobre a História do Brasil? Quais são os principais ideias? Embora sem
se dar conta, muitas pessoas conseguem ler num nível inspecional.
Terminam o livro e sabem que não é apenas um amontoado de frases; existe
uma ideia básica que o autor apresentou sob algumas formas. Talvez o
leitor não seja capaz de escrever uma resenha, mas consegue formular um
resumo básico.

O terceiro nível é o da leitura analítica. Certo, o livro é sobre a
História do Brasil; mas qual a posição do autor? Ele está priorizando os
momentos do Império ou da República? Toma partido a favor ou contra a
escravidão? Dá mais destaque à esquerda ou à direita? Ou então talvez o
livro seja sobre ciências. O autor está sendo claro? Os exemplos que ele
passa parecem plausíveis? O autor usa a matemática para confundir ou
para esclarecer?

O leitor que lê analiticamente consegue aprender o que o livro quer
ensinar. Ele consegue criticar o que o autor quer dizer. Na verdade,
essa é a técnica fundamental da leitura analítica. Só consegue ler de
maneira analítica a pessoa que, depois de ter feito leitura inspecional,
sabe as principais perguntas a serem feitas ao livro (notem como eu
expliquei a leitura analítica apenas com perguntas); agora a tarefa é
encontrar as respostas. Ler bem um livro significa questionar o autor a
todo momento. O verdadeiro leitor jamais falaria algo como “não sei bem
por que, mas não concordo com isso”; ele primeiro entende, e depois
julga.

Na verdade, praticamente 80% de Como Ler Livros é sobre leitura
analítica. Os autores põem muita ênfase em se preocupar em procurar as
palavras-chave, depois os termos principais, em seguida as proposições
mais importantes.

O quarto nível é o da leitura sintópica. Significa transcender o livro
e ler vários livros sobre o mesmo assunto e apontar diferenças e
semelhanças. É aplicar a leitura analítica diversas vezes. É assumir
algo como “quero aprender a mecânica clássica” e ler Newton, Laplace,
Galileu e d’Alembert, comparando-os. Claramente, é tarefa de
especialistas.

Como Ler Livros é daqueles exemplos que não trazem nenhuma ideia
revolucionária mas apontam alguns conceitos do senso comum dos quais nos
esquecemos:

  • Você está lendo para quê? Quer apenas dar uma olhada no livro ou
    aprender sociologia? Diferentes objetivos demandam diferentes modos
    de se ler.
  • Dê uma lida rápida e só depois volte nos pontos em que há dúvidas,
    não necessariamente na ordem do livro.
  • Não faz sentido começar a procurar as palavras no dicionário se você
    não faz nem ideia do assunto do livro. Mas quando precisar fazê-lo,
    saiba o que e por que você está consultando-o.
  • Ler não é uma atividade passiva. Se você para para interpretar uma
    frase que seja, já está interagindo com o autor (os autores usam um
    exemplo muito interessante do beisebol, que pode ser melhor
    entendido com uma analogia do futebol. Um goleiro, apesar de
    “apenas” agarrar a bola, não joga passivamente. Ele precisa prestar
    atenção em muitos jogadores, calcular a velocidade da bola,
    movimentar-se para o lado certo).
  • Livros difíceis merecem ser lidos muitas vezes
  • O tipo de atitude que você tem ao ler um livro de filosofia tem de
    ser totalmente diferente da atitude de ler uma peça de teatro.
  • Não é porque se trata de um romance que não existe nenhuma mensagem
    a ser captada.

O livro tem seus defeitos. Os autores se enlongam demais em alguns
trechos, são bastante repetitivos (a maneira que eles enfatizam o
questionamento do autor é cansativo), dedicam pouco tempo à leitura
sintópica e quase completamente ignoram as obras de ficção (embora eu
concorde com eles quando dizem que ler um romance ou poema é algo muito
subjetivo e dependente das experiências do leitor).

Como Ler Livros, no geral, é um monumento de exaltação aos livros e ao
ato de leitura, e suas reflexões já estão mudando completamente a
maneira como encaro os livros. Faça-se um favor e leia.