Categorias
Artigos

Acostumando-se com o desconfortável

A minha namorada reclamou que a minha resenha de So Good They Can’t Ignore You ficou meio incompleta e sem muitos exemplos (“principalmente depois de você viver carregando esse livro para lá e para cá”, foi o que ela ficou com vergonha de dizer). Então vamos tentar corrigir esse problema

So Good pode parecer um livro estranho. “É óbvio que você deve ser bom no que você faz”, o leitor pensa. Não é difícil aceitar que pessoas de sucesso trabalharam duro e são boas no que faz. O que não é óbvio é a relação disso com a felicidade no trabalho, e como é isso é mais importante que “sonhos” ou “paixão”. Na minha curta carreira científica, conheço muitos professores e pesquisadores que tomo como exemplo (alguns são grandes amigos), e que percebo que são felizes no trabalho. Porém, embora eu nunca tenha perguntado, posso adivinhar que eles não diziam “Quero ser um especialista em Termodinâmica” quando perguntados o que queriam ser quando crescer; de fato, pouco importa como eles foram parar nessa profissão. Essas pessoas donas de careiras notáveis são felizes porque são admiradas pelos seus pares, possuem cargos em universidades de prestígio, perseguem os projetos que lhe interessam — e o que os fez chegar até ali não foi sorte, ou um amor incondicional pelas ciências, mas o fato de que eles são extremamente habilidosos.

A pergunta seguinte é: como, então, se tornar tão bom a esse ponto? E essa é a segunda ideia não-trivial de So Good: você precisa se acostumar a fazer coisas difíceis.

Como esse assunto me interessa, ainda pretendo pesquisar muito (e o próprio Newport traz referências), mas os conceitos giram em torno da prática deliberada. Para ficar em um exemplo mencionado no livro, você não fica bom em guitarra praticando a escala de Dó Maior 100 vezes por dia; você pode ser tornar o próximo Clapton se praticar cada vez mais rápido, ou mudar de escalas, ou tentar um riff que você nunca tentou. Como diz Matt Might, o conforto fomenta a fossilização técnica.

Falando na minha namorada, ela mencionou que estava tendo dificuldades em utilizar um novo modelo de planilhas do Excel. “Ótimo!”, foi o que respondi. A maneira mais efetiva de ficar tão bom que eles não possam ignorá-lo é buscar rotineiramente fazer coisas difíceis, esticando (um termo de Newport) o seu cérebro e as suas habilidades. Se aquele modelo de planilha, com novos procedimentos de cálculo, é difícil de usar, significa que poucas pessoas vão conseguir fazê-lo, e aquelas que conseguem vão se diferenciar.

Este, portanto é o conceito que eu mais estou tentando implementar e testar no meu dia-a-dia. Como parte do meu doutorado, eu preciso aprender a usar um programa de simulação, e vinha evitando com medo da dificuldade e da angústia da frustração. Depois de ler So Good, percebi o quanto isso é normal e que eu precisava combater esse sentimento. Comecei então a todo dia tentar fazer alguma coisa que seja, cumprindo um novo desafio a cada semana. Agora, não me sinto um expert no tal programa, mas já me mais satisfeito quando tenho de trabalhar com ele, e sinto que poder usar esse software de uma forma nova pode fazer diferença no meu doutorado. E já sei o próximo desafio que preciso cumprir, e estou animado para atacar mais esse problema.

Para ficar em um outro exemplo, uma das carreiras que admiro é Myke Hurley, fundador da rede de podcasts Relay FM. Não tenho dúvidas que um dos motivos do seu sucesso é a sua disposição de tentar coisas novas e difícies; quantas pessoas se arriscariam a dedicar um show a entrevistar nerds sobre o seu álbum favorito? Isto exigia um novo nível de produção de podcasts, mas isso não foi impedimento.

Sugiro então que o leitor faça essa pequena auto-avaliação. Que habilidade o leitor está ignorando mas que pode fazer diferença? O que o leitor pode aprender na sua profissão que ninguém mais quer aprender por causa das barreiras, e que vai tornar o leitor na maior autoridade no assunto?

Publicidade

Por Fábio Fortkamp

Pai do João Pedro, Marido da Maria Elisa, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, católico devoto, nerd

Uma resposta em “Acostumando-se com o desconfortável”

Parabéns pelo Blog!!
Faço mestrado e estava procurando algumas coisas e acabei caindo aqui e já li o blog quase todo!..
Escreve muito bem e são super úteis suas dicas!..
Abs,

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.